FTT - Futebol de Todos os Tempos

ENTREVISTAS COM EX JOGADORES, TECNICOS, DIRETORES E PESSOAS LIGADAS AO FUTEBOL QUE CONTRIBUIRAM DE ALGUMA FORMA PARA QUE PUDESSEMOS CONHECERMOS UM POUCO MAIS DA HISTORIA DO FUTEBOL BRASILEIRO E MUNDIAL.

domingo, 15 de janeiro de 2012

O craque disse e eu anotei - ZENON

Entrevistar o Zenon foi algo muito gratificante, pois pela primeira vez pela FTT me desloquei pra outra cidade, conversei com um ex-jogador muito inteligente e consciente das suas opiniões, trata-se da entrevista mais longa que realizei, além de ter feita a matéria no dia do meu aniversário (12/01). Entrei em contato por telefone, expliquei sobre o meu trabalho e ele, prestativo e atencioso, aceitou de imediato, marcando a entrevista para o dia seguinte na sua escolinha, às 15 horas.

FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS: Zenon, você é catarinense, nascido no dia 31/03/1954, na cidade de Tubarão. Confesso que conheço pouco do futebol de Santa Catarina. Então pergunto se quando criança você torcia para algum time e se tinha ídolos no seu Estado?
ZENON DE SOUZA FARIAS: Em Santa Catarina brincava muito nas peladas de rua, futebol amador e de várzea, mas jamais passava pela minha cabeça ser profissional. Tinha um irmão que jogava profissionalmente no time da minha cidade, o Hercílio Luz, sendo que através dele que passei a gostar de futebol, mas sem me imaginar como um profissional, pois tratava mais de estudar, ajudava os meus pais, porque somos uma família de muitos irmãos e tínhamos que trabalhar para o nosso sustento. Agora, jogar bola era comigo mesmo, tanto no paralelepípedo, como na terra, grama, ou seja, em qualquer lugar que fosse, com bola de papel ou de bexiga de porco que deixávamos secando pra bater uma bolinha. Então Deus me reservou certo dia uma oportunidade de entrar no time e fazer um treino na equipe profissional da minha cidade, o Hercílio Luz.

FTT: Houve jogadores de futebol que te influenciaram no seu estilo de jogo? Na época havia o Rivellino, Gérson, Ademir da Guia e o próprio Pelé. Eles te tiveram alguma influência pra você?
ZENON: Sim, principalmente o Rivellino e o Gérson, que considero os dois professores que tive na minha vida, pela característica de jogar bola, forma de se posicionar dentro de campo e como conduziam os grandes times dos quais participavam. Então peguei dos dois um pouco de cada um pra formar a minha característica como jogador de futebol.
   AVAÍ 1975 - Zenon é o segundo agachado a partir da direita.


FTT: Depois do Hercílio Luz você foi contratado pelo Avaí, sendo Campeão Catarinense em 1975. Fale dessa passagem.
ZENON: Vamos voltar um pouquinho ao Hercílio Luz. Eu tive uma ascensão muito rápida, pois no primeiro ano já estava sendo cobiçado por grandes equipes do futebol catarinense, disputando um campeonato por um time pequeno em 1972. No ano seguinte, o Avaí passou a ter uma vontade que eu fosse compor o seu elenco e acabarem negociando com o Hercílio, já sendo campeão e escolhido como melhor jogador da posição e indo pra Seleção Catarinense. Então foi uma ascensão muito rápida que tive dentro do mundo futebolístico e acredito que Deus tenha me reservado essa oportunidade, me abençoou, dando-me o dom e soube como aproveitar.
Zenon jogando pelo Avaí

FTT: Foi com essa passagem pelo futebol catarinense que o Guarani se interessou pelo seu passe. Como foi essa contratação?
ZENON: A partir do momento que disputei o meu primeiro Campeonato Brasileiro, que também foi o primeiro do Avaí, em 1974, já despertei interesse de grandes clubes do futebol brasileiro. O Palmeiras, que fui indicado pelo Chico Anísio, que me viu jogando em Santa Catarina quando estava de férias, se encantou com o meu futebol e no mesmo instante me indicou, mas o clube me observou, achou que eu era muito magrinho e acabou me deixando de lado. Depois veio o Cruzeiro, na época do presidente Felício, que também se interessou, mas achou muito caro o valor do meu passe.
Em 75 apareceu o Guarani de Campinas lá no estádio do Avaí, o Adolfo Konder, onde estava realizando um treinamento sozinho, porque na época comecei a fazer a faculdade de Educação Física, então tinha um plano de trabalho deixado pelo professor para que eu pudesse realizar após as minhas aulas. Nesse dia estava no campo e apareceu o Guarani pra treinar no Adolfo Konder, pois iria jogar contra o Figueirense no dia seguinte pelo Campeonato Brasileiro e me convidaram pra participar do recreativo deles. Entrei e dali começou um namoro com o Guarani que se concretizou no início de 1976.
O plantel do Guarani em 1976 possuia jogadores como Mauro, Amaral, Flamarion, Flecha, Zenon, André, Brecha e Ziza

FTT: Antes de falar do Guarani, achei interessante você dizer que o Palmeiras e Cruzeiro tiveram interesse no seu passe. Você se imaginava jogando no Palmeiras ao lado de Ademir da Guia e Leivinha, ou mesmo no Cruzeiro com Dirceu Lopes, Palhinha e Jairzinho? Como seria jogar em outro time?
ZENON: Não imaginava. A minha preferência era permanecer em Santa Catarina, jogando pelo Avaí, terminar a minha faculdade na UFSC, casar com uma garota catarinense e tocar a minha vida, pois jamais imaginei sair do meu Estado. Mas apareceu uma oportunidade de jogar fora, o Avaí achou muito bom o negócio e foi inevitável a minha vinda ao futebol paulista, independentemente de Palmeiras, Guarani ou qualquer outro clube, a minha vontade mesmo era permanecer em Santa Catarina, mas, para o bem da minha carreira, acabei acertando com o Guarani de Campinas.

FTT: Começa 1976 e comentei com o Zenon de tratar-se de um ano importante pra mim, pois nasci no dia 12/01/1976, ou seja, hoje estou fazendo aniversário.
ZENON: Que maravilha, meus parabéns, muitos anos de vida, muito sucesso e muita saúde, que é o que interessa, pois é a riqueza maior que temos, porque tendo ela corremos atrás do que queremos e desejamos, pois aí é só ter vontade e poder de superação para conquistar os nossos objetivos.


FTT: Vamos então falar do nosso querido Guarani. Você foi contratado em 1976 por um time que tinha uma estrutura boa para o Brasileirão de 78. Pelo que sei jogava o Flamarion e muitos jogadores que serão lembrados por você.
ZENON: Com certeza, o Guarani foi uma grande surpresa na minha vida, não esperava encontrar um clube com essa estrutura em 1976, que tinha quase 20 mil associados pagantes. Vim participar de um grande elenco, que além do Flamarion, tínhamos o Flecha, Brecha, Amaral, Ziza e garotos subindo das categorias de base que foram titulares em 78, dos quais falaremos depois, ou seja, era um grande time. Eu vim pra suprir a saída de Alexandre Bueno, outro grande camisa 10 que o Guarani tinha. Fui muito feliz no meu primeiro ano, escolhido novamente como melhor jogador do campeonato estadual e recebi o prêmio, Campeão do Primeiro Turno do Paulistão pelo Guarani, fui chamado pra defender a Seleção Paulista contra a Brasileira num amistoso realizado no Morumbi e empatamos o jogo em 1 a 1. Minha ascensão foi muito rápida e já comecei a despertar interesse dos grandes clubes, não somente de São Paulo, , como também de outros Estados

FTT: Quais seriam esses outros grandes clubes?
ZENON: Principalmente o Corinthians, pois o presidente Vicente Matheus me namorava desde 1976. Surgiu também um buchicho do Flamengo, do próprio Cruzeiro novamente, mas essas negociações não foram concretizadas. Permaneci no Guarani, onde estava muito feliz, ainda fazendo a minha faculdade de Educação Física, porque a primeira coisa que exigi foi a transferência da UFSC para uma universidade em Campinas e eles conseguiram uma vaga na PUC, continuando assim os meus estudos.

FTT: Falaremos agora do grande time do Guarani de 1978. Vamos ver se acerto a escalação. O time jogava com Neneca, Mauro, Gomes, Édson e Miranda; Zé Carlos, Renato “Pé Murcho” e Zenon; Capitão, Careca e Bozó. O técnico era o Carlos Alberto Silva. Fale sobre esse timaço, Zenon.
ZENON: Um time que te posso dizer que faria frente ao Barcelona hoje, uma equipe que jogava por música, desfilava dentro de campo, não tinha medo de adversário, tanto é que detemos o recorde de maior número de vitórias consecutivas no Campeonato Brasileiro, sendo que ninguém quebrou essa marca, com 12 vitórias, que foram as últimas, pra você ter idéia, as mais difíceis. Não jogamos 38 jogos como se joga hoje, mas umas 33 ou 34 até a última partida contra o Palmeiras. Foi um time que dentro do campo brilhava devido à vários fatores, como uma afinidade muito grande que tinham os jogadores, se tratavam com muito respeito e muita união, detalhes que são importantíssimos e indispensáveis em um time de futebol para que você consiga alcançar a finalidade.
Guarani 1978 - Neneca, Mauro, Edson, Miranda, Zé Carlos e Gomes; Agachados: Capitão, Renato,      Careca, Zenon e Bozó


FTT: Claro que o time inteiro era importantíssimo, mas falarei de três jogadores que você sempre comenta. Cito o volante Zé Carlos, Renato “Pé Murcho” que você numa entrevista no programa Grandes Momentos do Esporte da TV Cultura disse que o Kaká joga hoje o que ele jogava na época e o centroavante Careca.
ZENON: Com certeza, três jogadores fantásticos. O Zé Carlos era praticamente o auxiliar técnico dentro das quatro linhas, ele que nos posicionava, ditava o ritmo do time e tranquilizava nos momentos mais difíceis. O Renato “Pé Murcho”, no que você acabou de falar, sempre tracei uma semelhança  muito grande com o Kaká, mas acho que o Renato jogava mais, mas o Kaká é um dos grandes jogadores que temos atualmente sem dúvida alguma. E o Careca era um jogador diferenciado, pois se escolhermos os dez maiores camisas 9 do futebol brasileiro, eles está dentro, não fica fora de jeito nenhum, um gênio dentro de campo, pois um metro quadrado era o suficiente pra realizar grandes jogadas.


FTT: O Guarani foi o primeiro time do Interior a ganhar um campeonato da dimensão de um Brasileirão. Será difícil falar de todos os jogos do Campeonato Brasileiro de 1978, mas citarei dois famosíssimos antes das finais contra o Palmeiras, o famoso 3 a 0 contra o Internacional em pleno Beira-Rio e os 2 a 1 com o Vasco no Maracanã. Disseram que o ataque o Guarani, formado por Capitão, Careca e Bozó era de circo. Comente sobre esses dois jogos, Zenon.
ZENON: Dois jogos inesquecíveis. Aquele contra o Internacional, eu te diria que foi o jogo-chave para que pudéssemos acreditar que poderíamos disputar o título do Campeonato Brasileiro. Quando entramos pra participar deste Brasileirão, jamais imaginávamos que disputaríamos um título e seríamos campeões, pois seria hipocrisia demais da minha parte. As coisas foram acontecendo, fomos passando de fase, porque o campeonato era dividido em grupos, se não me engano, oitenta times disputavam e de repente estávamos nas oitavas de final. Fomos encarar o Internacional de Porto Alegre, de Falcão, Batista e Valdomiro, um time irretocável, o grande candidato à conquista do título pelos valores que tinham. Quando chegamos a Porto Alegre pra jogar contra o Inter, a imprensa satirizou o nosso time, falando que o ataque com Capitão, Careca e Bozó era de circo e de risos, dizendo pra nós prepararmos o balaio (cesto) porque sairíamos com isso do Beira-Rio. No dia do jogo entramos em campo muito determinados, focados naquela partida, acredito que todos os jogadores deram o melhor de si, gastaram até a última gota de suor e nosso time de forma brilhante aplicou um 3 a 0 no Internacional em pleno Beira-Rio. Fiz um dos gols mais interessantes, considerado um dos mais bonitos e se fosse hoje concorrendo ao mais belo do ano, com certeza seria escolhido, porque foi feito pela primeira vez daquela forma, pois recebi a bola da defesa dentro do meu campo, ameacei lançar o Capitão na ponta-direita, a defesa do Internacional se utilizava da famosa linha burra pra deixar o ataque do adversário em impedimento, então quando fiz de ameaçar o lançamento eles avançaram, puxei a bola pra mim mesmo, passei em na frente de todo o mundo, conduzindo a bola por Falcão, Batista e toda a defesa do Inter, fui lá e enfrentei o falecido goleiro Gasperin, tirei dele não o driblando, entrei com bola e tudo porque tive humildade (risos!), ele saiu e toquei no seu lado esquerdo, fazendo o terceiro gol do Guarani, dando os três pontos, porque naquele tempo se fizesse mais de 3 gols ganhava um ponto a mais de bonificação. A partir dali, meu amigo, não perdemos mais nenhum jogo. Depois tivemos Sport, Botafogo e outros times pela frente.
Um mês depois do jogo com o Internacional, fomos enfrentar o Vasco da Gama que você citou, num mata-mata , pois ganhamos de 2 a 0 em Campinas.
 Fomos ao jogo do Maracanã podendo perder até por 1 a 0 que a classificação era nossa. Vencemos por 2 a 1 lá no Rio de Janeiro com mais de 100 mil pessoa no estádio e fiz os dois gols do Guarani, sendo que o primeiro foi através de uma grande jogada de Renato, Careca e Capitão, tocando de lá pra cá, deixando o Vasco sem pegar na bola, com o toque do Careca pra mim que vinha chegando de trás, pegando de três dedos com a bola indo pro lado direito do goleiro Mazarópi, entrando na parte externa de dentro da rede, correndo ela inteira e fazendo PRRRRAAAAAAA e saindo do outro lado. Esse barulho quem escutou foram alguns repórteres de Campinas que estavam atrás do gol, sendo que era difícil a bola sair da trave do Maracanã, pois a rede era um verdadeiro véu de noiva, ou seja , era gostoso demais balançá-la. O segundo gol eu fiz de falta.

FTT: Chega a grande final entre Guarani e Palmeiras. Zenon, vamos falar do momento mais marcante dessa campanha de 1978, um grande momento de emoção. Falamos do jogo contra o Internacional e o Vasco da Gama, mas claro que um título é sempre diferente. No primeiro jogo, no estádio do Morumbi, aconteceu um lance curioso, quando o novato Careca se aproxima do experiente goleiro Leão, que dá um soquinho na cabeça do centroavante e acaba sendo expulso. Esse lance foi decisivo para a conquista do título?
ZENON: Não, de forma alguma. Depois que nós passamos por todos aqueles times que falamos, colocamos na cabeça que ninguém tiraria o título da gente. Como tínhamos conquistado todas as vitórias, jogávamos por dois empates e penso que quando temos uma vantagem num momento decisivo é muito difícil o adversário tirá-la, porque construir muito mais complicado que destruir e quando entramos com essa incumbência de não deixar o adversário fazer gol, que é algo muito difícil de fazer no futebol, jogando com a vantagem de empatar, pode-se arrumar um monte de tocaias e emboscadas. Fizemos um esquema muito bom e bem organizado dentro do campo, procurando explorar o Palmeiras principalmente nos contra-ataques, fazendo mais desarmes do que construir jogadas nessa partida. Mas no segundo tempo aconteceu esse lance que você acabou de detalhar, mandei um chute de fora da área com o Leão defendendo, sendo que o Careca foi no rebote como de costume ia depois dos meus chutes e quando ele se virou pra sair de dentro da área pequena o Leão veio por trás e deu um cocuruto com o cotovelo, sendo que o Careca nem caiu por ser tão menino e ingênuo, pois se fosse um jogador experiente teria se estrebuchado no chão e gritado. O Careca somente se abaixou com essa atitude anti desportiva, marcada com muita precisão pelo juiz Arnaldo César Coelho, que estava em cima do lance, ficando caracterizada uma agressão, porque a bola estava em jogo. O Leão foi expulso e dado a penalidade, eu teria que cobrá-la, pois era o cobrador oficial. A equipe do Palmeiras já tinha realizado as três substituições, com o falecido meia Escurinho indo pro gol vestindo a camisa de goleiro e caminhando pra baixo dos três paus. Meu coração acelerou, pois preferia mil vezes o Leão lá
embaixo, pois a responsabilidade triplicou, se não faço aquele gol não estaria morando hoje em Campinas (risos!) caso o Guarani não conquistasse o título. O Zé Carlos e todo o mundo me aconselharam pra cobrar do meu jeito que não tinha erro. Coloquei a bola na marca da cal, caminhei pra ela, esperei o Escurinho definir o canto, caiu pro lado direito e coloquei a bola no lado esquerdo, corri pra galera e vibrei com aqueles 10 mil bugrinos que tinham lá no estádio do Morumbi, mas acho que tinham até mais, com torcedores do São Paulo, Corinthians e Santos que estavam torcendo pelo Guarani.
Nesse jogo teve o problema de eu receber o cartão amarelo depois de um lance com o falecido Toninho Vanusa numa dividida, com o Arnaldo achando que entrei com muita agressividade, acabou me dando o cartão e não pude jogar a última partida que, pra mim, já estava praticamente consumada a vitória no Campeonato Brasileiro, pois podíamos até perder de 1 a 0 em Campinas e nos sagraríamos campeões. Repetimos a dose, vencendo por 1 a 0, gol de Careca.
                   Capa da Revista Placar com Zenon comemorando seu gol e o titulo do Guarani

FTT: Então Campinas virou definitivamente na época a capital do futebol brasileiro, pois além do Guarani, havia uma equipe também muito boa que era a Ponte Preta. Comente também sobre o Dicá, outro genial meia-esquerda.
ZENON: A Ponte Preta sem dúvida um dos grandes clubes do futebol brasileiro na década de 70. Era um duelo de gigantes quando acontecia um dérbi em Campinas. Vou mais além pois se o Brasil necessitasse de uma Seleção, poderia pegá-la e colocar os 22 jogadores, onze do Guarani e da Ponte Preta, sendo que eles representariam muito bem o  futebol brasileiro, porque os dois times de Campinas, na época, eram praticamente imbatíveis, pois time grande vinha aqui pra tomar de pouco e se conseguisse um empate, saía vibrando, porque não era tarefa simples encarar esses dois times.
O Dicá foi um jogador fora do comum, pois se forem escolhidos os vinte camisas 10 do futebol brasileiro, ele tem que estar no meio.
FTT: Começa 1979, Guarani, Campinas e Zenon, todos consagrados no futebol brasileiro. E acontece o que todo o jogador queria, com você sendo convocado pela primeira à Seleção Brasileira pelo técnico Cláudio Coutinho. Sua estréia, por sinal, foi contra o Ajax da Holanda, vitória por 5 a 0, com uma grande apresentação de Sócrates nesse dia. Fale sobre esse rápido período na Seleção.
ZENON: Pra mim foi um motivo muito especial ser convocado pra Seleção Brasileira, o sonho de todo o atleta profissional. Vestir a camisa da Seleção nesse tempo, meu camarada, não era tarefa simples, pois você tinha que ser muito diferenciado, porque em cada posição tínhamos 5 ou 6 jogadores com a mesma categoria e qualidade, cabendo a preferência do treinador. O falecido Cláudio Coutinho acabou me convocando, fiz parte daquele grande elenco que disputou a Copa América de 1979. A minha estréia, como você bem disse, foi contra o Ajax no Morumbi e pude presenciar de perto uma das grandes obras-de-arte do Sócrates, com um gol maravilhoso, driblando dois zagueiros adversários e colocando a bola no lado esquerdo do goleiro. Tive uma boa participação nessa partida, tanto é que no próximo jogo fui titular da equipe, entrei jogando contra a Argentina no Maracanã, vencendo por 2 a 1 na Copa América. Realizei mais alguns jogos pela Seleção. Não tive sequência, o Cláudio Coutinho perdeu a vida dois  anos depois, entrando o Telê Santana no seu lugar, que tinha as suas preferências, fui deixado de lado, não participei daquele grupo de jogadores que poderia ir pra Copa de 82, atravessava um grande momento, tenho a minha auto crítica, podia contribuir  jogando ou não, mas fazendo parte da equipe e fiquei fora da convocação para o Mundial por preferência do treinador.

FTT: Não foi talvez por jogar na mesma posição o Zico?
ZENON: Não, de forma alguma, poderíamos jogar juntos, pois tínhamos características diferentes. Podiam atuar Sócrates, Zico e eu. Sempre fui um segundo cabeça-de-área, podia jogar com o Falcão, Toninho Cerezo ou Batista, sendo uma preferência do treinador. Não tive essa oportunidade, mas como joguei com Sócrates e Zico na época do Cláudio Coutinho, não seria empecilho nenhum, porque cada um tinha a sua característica. Não fui, como já disse, por preferência do técnico e nada mais.

FTT: Chega 1980 e você é contratado pelo Al Helal.
ZENON: Al-Ahli. Quem jogou no Helal foi o Rivellino, que a camisa era azul e branca, que nem a sua. A do meu time era verde e branco.

FTT: Como foi essa passagem pela Arábia Saudita e se houve partidas contra o Rivellino?
ZENON: Houve muitos duelos contra o Rivellino. O Riva foi um grande ídolo na Arábia Saudita, jogou muita bola e era idolatrado por lá. Foi uma passagem muito boa e positiva em termos de cultura e experiência de vida. Futebolisticamente a Arábia estava iniciando, tanto é que fomos mais para ser um exemplo pra eles. Então a partir de 1980 o futebol árabe cresceu muito, aparecendo grandes jogadores árabes a partir dessa chegada de vários brasileiros, não somente o Rivellino e eu, mas também o Aílton Lira, o lateral Toninho, o centroavante Dé e vários treinadores do nosso país se faziam presentes nessa temporada. Então os árabes de certa forma aprenderam alguma coisa.

ZENON É VENDIDO AO CORINTHIANS



FTT: Década de 80 começa, mais precisamente 1981, quando Zenon é contratado pelo Sport Club Corinthians Paulista pelo então presidente Vicente Matheus. Como aconteceu essa contratação e fale da sua estréia contra o Santa Cruz, da qual o Corinthians perdeu por 4 a 1 no Pacaembu, pelo Campeonato Brasileiro, sendo que o último gol que foi seu é um dos poucos da história do clube que a torcida vaiou. Mesmo assim você achava que entraria pra história do Corinthians?
ZENON: O Corinthians também é um sonho de consumo pra todo atleta profissional. Jogar lá é diferente, um clube que te marca muito, positivamente ou negativamente. Você não precisava lembrar-se dessa minha estréia desastrosa (risos!), mas fui homenageado pelo Dadá Maravilha, que jogava no Santa Cruz, dizendo que faria gols em homenagem à volta do Zenon no futebol brasileiro. Se não me engano ele fez três (Nota da FTT: De acordo com a ficha técnica da partida no Almanaque do Corinthians de Celso Unzelte, Dario fez apenas o primeiro gol da partida). Eu acabei fazendo o gol do Corinthians. Senti uma emoção muito grande vestindo a camisa corintiana, o calor dessa torcida fiel em todas as facções, pois naquele tempo era bonito demais, havia muita coreografia da parte dos torcedores e aquilo me encantou.
Não tivemos um ano muito bom, o time começou a ser reformulado e modificado, muita gente foi embora e muitos jogadores vieram. Caímos pra Divisão de Prata do Campeonato Brasileiro, só que como eram casados o Ouro com a Prata, acabamos ficando na segunda ou terceira colocação da Série Prata e já passamos para a Ouro. Entramos no grupo que, em minha opinião, era o de ferro, porque tinha Flamengo, Atlético Mineiro e Internacional de Porto Alegre. O Corinthians fica em primeiro lugar nesse grupo e seguindo em frente no Campeonato Brasileiro.
    Zenon conduzindo a bola observado por Socrates. Uma dupla inesquecivel no Corinthians

FTT: Em 1982 acontece aquela história que todo o mundo conhece, que é o surgimento da Democracia Corintiana, criado principalmente pelos cabeças da época, que era o Sócrates, Wladimir, Casagrande e Adílio Monteiro Alves, mas, por ser uma democracia, obviamente envolveu a todos, inclusive o Zenon. O que dizer da Democracia Corintiana e de Sócrates Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira?
ZENON: Vamos por partes. Sócrates foi um gênio, tanto dentro do futebol como fora dele, uma pessoa com um QI muito elevado, que na minha opinião foi mal utilizado pós-parada do futebol, acho que poderia se aproveitar mais dos seus conhecimentos, porque era um cara que conhecia qualquer segmento, discutindo com propriedade e podendo ser útil em outra função. Dentro de campo, como te falei, foi um gênio da bola, será eternamente inesquecível, pois sempre que se falar de futebol, política e Seleção Brasileira, o Sócrates estará envolvido, pelo seu talento, qualidade técnica e pelos seus ideais.
E essa Democracia Corintiana que praticamente foi idealizada por Sócrates e Adílson Monteiro Alves, veio a ser um negócio diferente dentro daquele futebol que era muito conservadora. Como vivíamos também um movimento político de bastante turbulência, muitas pessoas envolvidas em um processo de redemocratização do país, nós tratamos de abraçar também essa causa e junto com ela jogávamos futebol, só que dependíamos demais dos resultados dentro de campo para que pudéssemos nos fortalecer com esse projeto da Democracia Corintiana.

FTT: Tiveram as grandes finais contra o São Paulo, com o Bicampeonato Paulista de 1982/83. E esses jogos decisivos, Zenon?
ZENON: Foram na realidade três anos extremamente positivos com esse projeto e filosofia de trabalho. Em 1982 fomos  Campeões Paulistas.
Já em 83 fomos novamente, com o Bi, chegando as quartas de final do Brasileirão, vencemos o Flamengo e dependíamos de um resultado do Guarani em Campinas para que pudéssemos chegar à uma semifinal do Campeonato Nacional. Mas o Bugre perdeu em casa para o Goiás por 2 a 1, nós vencemos o Mengo pelo placar de 4 a 1, fiz dois gols e ficamos de fora do segmento da Taça de Ouro. Mas o objetivo estava sendo alcançado fora das quatro linhas, a Democracia Corintiana era decantada em prosas e versos por artistas, políticos famosos, enfim, estávamos conseguindo incutir na cabeça do povo o quanto seria interessante votar pra presidente, como aconteceu nas Diretas Já.

    Ficha tecnica - Morumbi - 12/12/1982 - Árbitro- José de Assis Aragão - Público - 66.851
CORINTHIANS: Solito; Alfinete (Zé Maria), Mauro, Daniel Gonzalez e Wladimir; Paulinho, Sócrates e Zenon (Eduardo Amorim); Ataliba, Casagrande e Biro-Biro.
Técnico: Mario Travaglini.

SÃO PAULO: Valdir Peres; Getúlio, Oscar, Darío Pereyra e Marinho Chagas; Almir, Renato e Éverton; Paulo César, Heriberto (Serginho) e Zé Sérgio.
Técnico: Poy.

FTT: Quando o Corinthians ganhou o Bicampeonato Paulista em 1983, o gol do título foi de uma jogada sua de calcanhar para o Sócrates.
ZENON: Uma jogada que era característica do Sócrates fazer. Eu, como sou bom aluno, aprendo as coisas, desde os tempos da escola, pois sempre que vi alguém fazer alguma coisa diferente, tentava imitar. Geralmente aprendia. Esse gol do Bicampeonato ficou marcado, uma jogada que recebi uma bola do Eduardo Amorim da esquerda, dei um drible no Gassem, entrei pra dentro da meia lua, fiquei na frente do zagueiro Oscar, Biro-Biro no meu lado esquerdo, penteei a bola porque sabia que o Magrão viria me ajudar, estava mais ou menos uns trinta metros de mim, porque você não vê ele pelo vídeo, só percebendo a presença dele quando vinha na corrida, visualizo ele e dou um calcanharzinho curto suficiente para que ele já conduzisse a bola, encarar o goleiro Waldir Peres e com toda a sua frieza dar um tapa com a parte interna do pé, no lado esquerdo do Waldir. Ali conquistamos o Bicampeonato Paulista, levando a galera do Corinthians à loucura.

FTT: E a final de 1984 contra o Santos?
ZENON: Uma final que até hoje é contestada pela torcida do Corinthians, porque com 15 minutos de jogo sofri um pênalti que o juiz Aragão fez vista grossa. Uma penalidade clamorosa, onde toda a imprensa falou que foi, todos viram que foi explícito, pois ia pegar de voleio dentro da área, tomei uma pancada por trás do lateral-esquerdo Toninho Oliveira e recebi um cartão amarelo por ter tomado a falta. Eu te digo que se fosse marcado a penalidade e ela fosse convertida em gol, a história daquele jogo poderia ter sido diferente, com o Corinthians podendo se sagrar Tricampeão. Mas como o pênalti não foi marcado, o Santos em um contra-ataque fez o gol com o Serginho Chulapa, vencendo por 1 a 0, conseguindo o título de 1984, por sinal ficou em boas mãos, porque tinha um baita time. É isso, às vezes um lance de uma partida pode ser crucial para a história desse jogo, mas mesmo assim fizemos um belo campeonato. Antes tínhamos chegado a uma semifinal do Brasileirão contra o Fluminense e que foi campeão. Foram anos maravilhosos que passei no Corinthians.


FTT: Porque não deu certo em 1985 com aquele timaço?
ZENON: Aquele time de 1985 foi formado naquele mesmo ano. E futebol não é feito da noite pro dia e nem do dia pra noite. Você requer um tempo para que as peças se ajustem. Talvez se aquele time permanecesse para 86, acho que colheria bons frutos. Mas não tiveram paciência, deram autonomia para um técnico que chegou lá, desmanchando o time e considero isso um dos fatores para que não desse certo. A formação da equipe era fantástica, formada por jogadores de qualidade técnica invejável, todos praticamente de seleção. Jogava com Carlos, Édson, Juninho, De León e Wladimir; Dunga, eu e Arturzinho; Paulo César ou Eduardo Amorim, Serginho Chulapa ou Casagrande e João Paulo. Faltou tempo para que time pudesse dar certo.


FTT: Nessa sua passagem pelo Corinthians foi convocado pela segunda vez pra Seleção Brasileira. Acho que na ocasião o técnico era o Edu, irmão de Zico.
ZENON: Isso aí, Maurício. Fui convocado pelo irmão do Zico, já se preparando pra Copa do Mundo de 1986. Fizemos alguns amistosos aqui no Brasil, fui capitão contra a Inglaterra no Maracanã. Depois jogamos com a Argentina no Morumbi. E enfrentamos o Uruguai em Curitiba. Foi outra passagem minha, tinha esperança novamente de entrar no grupo da Seleção para o Mundial, mas infelizmente também não fui convocado. O técnico era novamente o Telê Santana. Esses jogos que fiz foram mais um privilégio de voltar à Seleção Brasileira, sendo gratificante demais ser reconhecido naquele momento pelo Edu, fizemos de tudo para que ele permanecesse, mas futebol aqui é resultado, pois como conseguimos apenas uma vitória nesses três amistosos, praticamente time foi desfeito.

ZENON VAI PARA O GALO QUE FORMA UM TIMAÇO

FTT: Em 1986, por sinal, foi quando você foi contratado pelo Atlético Mineiro, um time do povo e da massa como o Corinthians. Nessa ocasião você jogou novamente com o Renato “Pé Murcho”, Éder Aleixo, Sérgio Araújo, enfim, novamente um bom time.
ZENON: Um dos grandes times que joguei, Maurício. Essa equipe de 1986 era formada por João Leite, Nelinho, Batista, Luizinho e Jorge Valença ou João Luís; Elzo, eu, Paulo Isidoro (ou Everton); Sérgio Araújo, Nunes e Edivaldo. O Éder estava saindo. Era um timaço, fomos campeões mineiros com umas três rodadas de antecedência. Chegamos nas semifinais do Campeonato Brasileiro contra o Guarani, perdemos em Campinas e saímos da decisão de 86 pra enfrentar o São Paulo. No ano seguinte não fomos campeões, chegou o Telê Santana, tive problemas com ele, mas o time foi novamente à semifinal do Brasileirão, perdendo para o Flamengo e saindo fora, com o Mengo sendo o campeão.
 Atlético 1986 - João Leite, Nelinho, Vandinho, Luizinho, Batista e João Luiz; Agachados: Sergio Araujo,  Everton, Nunes, Zenon e Renato Morungaba


FTT: E os clássicos contra o Cruzeiro? Deu pra sentir bem essa rivalidade?
ZENON: Muito, Maurício! Um clássico que reúne multidões, estádios cheios, tanto com a torcida do Cruzeiro como a do Atlético. São dois grandes clubes bem estruturados, sempre montaram grandes times e os jogos eram bem disputados, como São Paulo e Palmeiras, Corinthians e Santos, ou seja, do mesmo jeito. O grande evento futebolístico de Belo Horizonte é quando ocorre o clássico entre Atlético e Cruzeiro.

     Mauricio Sabará e Zenon coma foto dos tempos de Atlético


  ZENON NA PORTUGUESA

FTT: Depois da passagem pelo Atlético Mineiro, retorna ao futebol paulista, jogando dessa vez na Portuguesa de Desportos. O que dizer da nossa querida Lusinha?
ZENON: Eu fiquei apaixonado pela Portuguesa. Adorei jogar por lá. A Lusa montou um bom time em 1988, tanto é que fomos campeões num Torneio Internacional realizado na Ilha da Madeira, em Portugal, com quatro times. Eu fui campeão na Portuguesa. Montamos um baita time naquele ano, com Catatau, Kita, Henrique, Toninho, Edu Marangon, Jorginho (hoje treinador), Ica, enfim, grandes jogadores. Fizemos um ótimo Campeonato Brasileiro e uma passagem muito boa. Depois acabou o meu contrato, acabei saindo e dei sequência na minha vida.

    Zenon segura o quadro com a Portuguesa de Desportos de 1988


FTT: Encerrando a carreira em dois clubes, o Grêmio Maringá e o São Bento de Sorocaba.
ZENON: Isso mesmo! O São Bento foi o meu último clube, fiquei apenas três meses pra agitar a cidade de Sorocaba. Eu já estava envolvido com a Seleção de Másters, pois em 1989 havia ingressado naquele grupo seleto de grandes jogadores do time do Luciano do Valle. Já estou com 22 anos de futebol de Másters. Tive 20 anos como profissional de futebol e nos Másters jogo bola até hoje, com o Corinthians, Seleção Brasileira e Paulista, ou seja, tudo que é Máster estou no bolo, me divertindo e tendo a alma feliz.

FTT: Você também é comentarista.
ZENON: Trabalho desde 1992 em televisão e radio, tenho um programa que vai ao ar todos os dias das 13 às 14 horas, Século 21 Esporte. Sou comentarista há 20 anos, não somente de futebol, mas do mundo esportivo.
   Mauricio Sabará e Zenon tendo ao fundo fotos dos clubes por onde jogou
 
FTT: Zenon de Souza Farias, foi uma honra muito grande ter feito essa entrevista contigo, já sabia da sua inteligência e capacidade pra se expressar, primeira matéria que faço contigo e faria mais 100 se pudesse. Parabenizo-o pela pessoa que é, pelo grande jogador que foi , passagens maravilhosas por Guarani e Corinthians, podendo ir bem mais longe na Seleção Brasileira, mas, claro, como você bem disse, foi por preferência do treinador, jogando em uma época recheada de grandes jogadores na sua posição. Eu te parabenizo mais uma vez, desejando felicidades e estamos aí quando puder. Abraço e muito obrigado!
ZENON: Obrigado, Maurício. Foi um prazer muito grande estar aqui com você, batendo um papo agradabilíssimo que tenho certeza que quem está aí assistindo gostou muito. Essa é a minha história como atleta, como homem e posso dizer a vocês que fui e sou um privilegiado nessa vida porque faço aquilo que gosto e tenho uma alma feliz.



ENTREVISTA: Maurício Sabará Markiewicz.
FOTOS: Estela Mendes Ribeiro.

Revista do Dia - Placar 1970

A revista `Placar de Março de 1970 traz em sua capa craques consegrados em outras equipes e que agora eram contratados por novos clubes. Almir ex Botafogo pelo Flamengo; Leivinha ex Portuguesa apelo Palmeiras, Carlos Alberto do Santos para o Botafogo e Natal do Cruzeiro pelo Corinthians.

seEncontros eternizados - SOCRATES & REINALDO


Socrates e Reinaldo eram duas sensações no futebol brasileiro no ano de 1979. Aqui reunidos para uma materia da Revista Placar.

domingo, 8 de janeiro de 2012

O craque disse e eu anotei - EDU "BALA"

Na primeira semana de 2012 entrei em contato com o Edu Bala, um dos representantes da segunda Academia Palmeirense, explicando sobre o meu trabalho e ele aceitou de imediato. Trata-se de uma pessoa humilde, que me deixou muito à vontade nessa matéria realizada na sua residência.

FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS: Você começou profissionalmente na Portuguesa de Desportos, mas me contava a pouco que não jogava como ponta-direita. Qual era a sua função a princípio?
CARLOS EDUARDO DA SILVA (EDU BALA): O meu começo de carreira foi na Portuguesa de Desportos em 1963 e jogando no início como meia-direita. Devido a ter muitos jogadores de alto nível nessa posição, resolvi ir para a ponta-direita e graças à Deus fui muito feliz.

FTT: Por sinal me contava que quem queria que você fosse pra ponta-direita era o Sérgio Etigo, o jogador que inventou o drible do elástico, tão utilizado pelo Rivellino anos depois.
EDU BALA: Joguei na Matarazzo com o Sérgio Etigo. Ele já jogava no Corinthians nos Juvenis e nas Preliminares com o Rivellino. O Sérgio me deu muitos conselhos, dizendo pra mim jogar na ponta-direita, pois lá eu seria muito feliz.

FTT: Quando criança você tinha ídolos no futebol, jogadores dos quais te inpiravam?
EDU BALA: Teve vários jogadores que gostava, como Garrincha, Jair da Costa, Servílio, Sílvio, Canhoteiro, Maurinho e Toninho Guerreiro. Haviam muitos bons jogadores, como se tem até hoje e esperamos que o futebol brasileiro fique cada vez melhor.

FTT: Fale da sua passagem pela Portuguesa. Profissionalizou-se em 1967, jogando em um grande time ao lado de Zé Maria, Ivair Príncipe e Leivinha.
EDU BALA: Foi uma oportunidade que o técnico Filpo Nuñes me deu. Primeiro foi o Aymoré Moreyra numa excursão ao Haiti e quando voltei assinei um contrato como Profissional. O time da Portuguesa era muito bom e joguei ao lado de grandes jogadores, como Orlando, Zé Maria, Marinho, Jorge Augusto (o Edílson tinha ido pro São Paulo). Lorico, Paes, Eu, Leivinha, Ivair e Caldeira. Equipe muito forte.

FTT: Em 1969 aconteceu a sua contratação pela Sociedade Esportiva Palmeiras, sendo que no seu primeiro ano foi campeão do Torneio Roberto Gomes Pedrosa.
EDU BALA: Cheguei e já fui campeão. Logo no início estranhei um pouco, pois se tratava de um time mais de toque, sendo que na Portuguesa era mais leve e veloz, demorei pra me adaptar, mas, graças a Deus, fui bem  melhor a partir do ano seguinte


FTT: Quando você chegou ao Palmeiras, como ponta-direita, houve muita cobrança pelo fato de anos antes ter jogado na mesma posição o famoso Julinho Botelho?
EDU BALA: Não, porque quando cheguei já tinha o Gildo. O Palmeiras havia desmanchado a primeira Academia, com o Djalma Santos indo para o Atlético Paranaense e o Valdir estava praticamente parando. Ficaram o Luís Pereira, Baldochi, Ademir da Guia, Cabralzinho, Serginho (que era ponta-esquerda da Portuguesa Santista), Zequinha, Dorval e César. O clube contratou o Leão, Eurico, Zeca (trocado pelo Tupãzinho), Nei, Pio e Héctor Silva. Formou uma equipe forte. Tínhamos o técnico Rubens Minelli, depois veio o Oswaldo Brandão, montamos a segunda Academia e fomos muito felizes.

FTT: Por sinal, pouco antes da segunda Academia, mais precisamente em 1971, aconteceram dois jogos famosos, os 4 a 3 na partida contra o Corinthians e a final com o São Paulo sendo Bicampeão Paulista, sendo que o gol do Leivinha foi anulado. Qual é a sua lembrança desses dois grandes jogos?
EDU BALA: Nós pegamos um Corinthians forte, com uma estréia maravilhosa do Adãozinho, um grande amigo que infelizmente veio a falecer, o Tião também estava em uma tarde inspirada fazendo um gol maravilhoso e o placar reverteu varias vezes. Já no jogo contra o São Paulo, o Leivinha fez um gol de cabeça com o juiz Armando Marques anulando, dizendo que foi com a mão, mas era um ano político, do Laudo Natel (risos!), portanto tinha que ser campeão.

FTT: Começa 1972 e nesse ano o Palmeiras conquistou praticamente tudo o que disputou, como me comentou o Ademir da Guia em outra entrevista que fiz. É isso mesmo, Edu?
EDU BALA: O Sr. Brandão chegou com uma filosofia diferente dentro do Parque Antarctica, perguntando aos se queriam ser campeões. Todos disseram que sim, com certeza. Ele disse que a partir desse dia, tudo que fosse disputado deveria ser vencido.

FTT: No caso a equipe básica era formada por Leão, Eurico, Luís Pereira, Alfredo Mostarda e Zeca; Dudu e Ademir da Guia; Edu Bala, Leivinha, César Maluco e Nei. Era mesmo uma Academia?
EDU BALA: Era sim, pois tínhamos um elenco muito bom, não somente com os onze que jogavam, mas haviam também os companheiros do lado de fora que nos apoiavam, como Madurga, Pio, Ronaldo, Jair Gonçalves, Zé Mário e o falecido Fedato. Na época o Palmeiras tinha uma vantagem muito grande, como os outros grandes clubes brasileiros, que era trazer muito jogador do Interior pra compor uma equipe. O clube muito feliz em todas as contratações que fez. Começamos o ano com o Campeonato Paulista, Ramón de Carranza, Torneio na Argentina e o Brasileirão.

FTT: Esses títulos brasileiros (1972/73) eram muito comemorados por ser uma grande façanha na época, pelo fato do campeonato ter começado em 1971, pois a Taça Brasil “ainda ‘não era’ considerada” um Brasileirão oficial?
EDU BALA: Hoje é diferente, pois o clube comemora dois ou três dias, sendo que no quarto já tem jogo de novo. A maioria dos campeonatos era no final de ano, jogando até 15 ou 20 de dezembro, tirando umas férias de vinte dias, não dava tempo de treinar, pois já estava começando um novo campeonato, o treinador não conseguia formar o que queria e no começo da competição perdíamos uns três ou quatro jogos. Ficava meio complicado, mas a partir daí você começava a deslanchar, sentindo-se melhor fisicamente, sendo que hoje os treinadores não levam muita vantagem sobre isso.

FTT: Libertadores da América era uma meta na época ou, diferente de hoje, que tantos os clubes buscam conquistas?
EDU BALA: Buscam hoje porque a condição financeira é maior. Naquele tempo você era Campeão Brasileiro pra disputar uma Libertadores e seria mais um currículo para a sua carreira. Atualmente é diferente, pois não adianta me dizerem que ganhei Campeonatos Brasileiros pra disputar uma competição. Nos dias atuais é vantagem, pois os times são bem mais fracos. Na minha época pegávamos Peñarol, Boca Juniors e Nacioanal. Hoje não, pois ter time chileno, que são muito fracos, tirando a Universidad do Chile. Tem também equipes da Bolívia, Venezuela e Peru. O único que faz diferença e o futebol colombiano, que tem um estilo quase igual ao brasileiro, apesar deles levarem muito na brincadeira, por isso que dificilmente chegam a uma final de campeonato.

FTT: Houve algum título que você guarda como mais importante?
EDU BALA: Acho que todos os títulos que disputei pelo Palmeiras são inesquecíveis, para que hoje quando saio pra rua, sou respeitado como jogador. Não sou conhecido por ter jogado na Portuguesa e no São Paulo, já que fiquei quase dez anos no Parque Antarctica

FTT: Como você jogava na ponta-direita, era veloz, driblava bem e ia até a linha de fundo, diga quem eram os seus grandes rivais como laterais-esquerdos.
EDU BALA: Tiveram vários. Na época tinha o Wladimir (Corinthians), Gilberto Sorriso (São Paulo), Paulo Henrique (Flamengo), Rodrigues Neto (Fluminense), Everaldo (Grêmio), Vacaria (Internacional-RS), Valtencir e Marinho Chagas (ambos do Botafogo-RJ). Eram muito bons. O futebol brasileiro tem essa facilidade de revelar grandes jogadores e laterais. Torcemos para que os clubes que contratarem novos jogadores de outras equipes, possam se felizes na equipe grande.

FTT: Em 1976 você é convocado pela primeira vez à Seleção Brasileira, disputando seis jogos, ganhando cinco e perdendo apenas um, retrospecto, por sinal, muito bom. Na ocasião o técnico era o Oswaldo Brandão, sendo que ganharam a Taça do Atlântico, Copa Roca e Rio Branco. Qual é a sua passagem tão importante que é jogar na Seleção?
EDU BALA: Acho que é o objetivo de todos os jogadores, pois só de ser lembrado já é uma vitória dentro da sua carreira. Ir à uma Copa do Mundo já é outra história, pois na minha época tinha o Jairzinho, Rogério, Vaguinho, Natal e Tarciso, todos grandes jogadores. Pra você ir à uma Seleção tinha que superar à todos eles. Só de ter sido convocado, foi um grande passo.
Edu Bala chuta e ve o goleiro fazer uma grande defesa espalmando a escanteio.


FTT: Pelo que soube, você jogava muito bem as partidas pelo Torneio Ramón de Carranza e nunca aconteceu de ser contratado por um time da Espanha. Qual foi o motivo disso?
EDU BALA: Todo o mundo dizia que na Espanha eu seria um jogador totalmente diferente. No Brasil tínhamos seis jogando num Campeonato Paulista. Lá eles voltavam de férias, embalados e bem fisicamente. A nossa condição física era menor que a deles. Tive a oportunidade de jogar nesse país quando o Leivinha e o Luís Pereira foram para o Atlético de Madrid, recebi uma proposta pra jogar no Español, mas como o Palmeiras já havia vendido dois importantes jogadores, a torcida não queria que eu fosse, sendo que acabei ficando por mais dois anos e fui contratado pelo  São Paulo.

EDU VAI PARA O RIVAL SÃO PAULO

FTT: Essa transferência pro São Paulo Futebol Clube, pelo que li, foi à conselho do goleiro Émerson Leão?
EDU BALA: Praticamente quem me vendeu foi o Leão. Eu tinha uma proposta pra ir aos Estados Unidos. Também poderia jogar no Londrina. O Guarani tinha montado um excelente time pra disputar o Campeonato Brasileiro de 1978, com Zenon, Careca, Renato e Bozó, sendo campeão em cima do Palmeiras. Eu já tinha ido pro São Paulo e não fui pra Campinas, sendo que o contratado foi o Capitão. Tive uma passagem maravilhosa no São Paulo e ganhei o primeiro Campeonato Brasileiro do clube (1977).

FTT: No São Paulo você formou um trio atacante muito bom, ao lado do centroavante Serginho Chulapa e do ponta-esquerda Zé Sérgio. Fale dessa passagem no Morumbi, jogando ao lado desses jogadores se houve ciúmes da torcida palmeirense por ter ido à um clube rival ou até mesmo dos são paulinos, que podem ter ficado desconfiados por sua identificação com o Palmeiras?
EDU BALA: A verdade é que quando cheguei de Campinas, tinha um telefonema pra me apresentar no Centro da cidade com o diretor do São Paulo. Chegando lá, foi dito que havia sido vendido pelo Leão, uma pessoa que tenho um respeito muito grande, me ajudou em muitas coisas que aprendi ao longo da vida, como respeitar mais as pessoas e falar melhor nas entrevistas. Fui muito bem recebido no Morumbi, era um time forte, com Waldir Peres, Getúlio, Bezerra, Estevão (treinador atualmente), Aírton, Chicão, Neca, Darío Pereyra, Mirandinha, Zé Sérgio, Zequinha (depois foi pro Grêmio) e Serginho. O time era muito bom e até hoje mantém essa tradição de ter boas equipes.
SÃO PAULO 1978 - Em pé a partir da esq.  Waldir Peres, Airton, Getúlio, Chicão, Marião e Bezerra. Agachados Edu, Teodoro , Serginho, Dario Pereyra e Ze Sergio

FTT: Você foi Campeão Paulista em 1980, mas não jogou todo o campeonato porque nesse mesmo ano foi cedido ao Sport de Recife, vencendo o título Pernambucano, ou seja, ganhou duas vezes uma competição estadual.
EDU BALA: O São Paulo tinha comprado o ponta-direita botafoguense Paulo César, conhecido como capeta. A equipe estava fazendo uma reformulação, sendo que além de mim, foram embora o Chicão, Estevão e Teodoro. Fui pro Sport, que montou um time, em minha opinião, de masters, com jogadores acima de 30 anos, como o País, Antenor, Alex (que era do América do Rio), Jaime (ex-Flamengo), Homero, Merica, Givanildo, Taborda, Píter, Jorge Campos e Edson Ratinho (ex-Atlético Mineiro). Tive a felicidade de ser campeão duas vezes nesse ano.

Mauricio Sabará e Edu Bala com as fotos dos tempos de Sport Recife.

FTT: Década de 80 começa e Edu Bala é contratado pela Universidad Católica do Chile. Sendo o único clube que jogou fora do Brasil. Qual foi a sua experiência jogando no Exterior, Edu Bala?
EDU BALA: Foi uma época boa, saí do Brasil e indo direto ao Chile, sentindo uma dificuldade muito grande por causa do frio. O Toninho já estava lá, o Colo Colo tinha o Vasconcelos e o Liminha jogava no Universidad. Um período bom nesse país, uma cidade bacana de se viver e tinha um carinho muito grande pelo povo chileno. Acho que nesse ano que fiquei, me deu muita experiência, adquiri mais cuidado com a minha carreira que estava chegando ao fim, fico muito satisfeito por todas as equipes que defendi, me dei bem em todas elas, sendo campeão várias vezes, agradecendo à Deus e aos meus pais por me darem essa condição de ser jogador de futebol.

FTT: Resumindo então, após a passagem no Chile, jogou no Santa Cruz, Uberaba-MG, Caldense, São Carlense, sendo Campeão Capixaba pela Desportiva em 1986 e jogando também no Marcílio Dias e Slatense. Já com 40 anos achou que já estava na hora de parar?
EDU BALA: Isso mesmo. Sobre parar, a família já queria isso. Não parei antes, achava que deveria continuar um pouco mais, pois acho que Deus me deu esse privilégio de ser um atleta profissional, sempre dei o melhor de mim, tive um resultado positivo, tendo a família e amigos  ao meu lado, sendo que isso não tem preço que pague, ser reconhecido e respeitado.
Edu no Santa Cruz

Edu Bala atualmente , segurando a foto do seu momento de gloria, o Palmeiras dos anos 70.

FTT: Hoje é dia 06/01/2012, por sinal a primeira entrevista do ano, estou estreando uma nova camisa dada pelo meu amigo Lucimar e coincidindo com a data, perguntarei sobre o goleiro Marcos, que ontem (05/01) anunciou a sua aposentadoria. O que você tem a dizer sobre esse grande goleiro?
EDU BALA: Com todo o respeito que tenho pelo Marcos, por ter tido uma carreira maravilhosa dentro do Palmeiras, recebo a notícia com alegria pelo o que ele fez e por suas conquistas, mas também com tristeza por ser mais um ídolo que está parando. Deve isso à força da sua família, da própria capacidade, educação, pelo homem que sempre foi e espero que nessa nova etapa seja feliz como foi dentro do futebol.

FTT: Edu Bala, agradecendo a matéria feita para o Blog Futebol de Todos os Tempos (FTT), parabenizando-o pela sua carreira, por sua honestidade e caráter, qualidade como jogador, desejando tudo de bom e que volte a trabalhar naquilo que gosta (Escolinha de futebol). Muito obrigado!
EDU BALA: Agradeço à você pela oportunidade pra falar sobre a minha carreira, espero que seja muito feliz, continuando com esse trabalho e que possa ter a oportunidade de ser um grande jornalista.


ENTREVISTA: Maurício Sabará Markiewicz.
FOTOS: Estela Mendes Ribeiro.