FTT - Futebol de Todos os Tempos

ENTREVISTAS COM EX JOGADORES, TECNICOS, DIRETORES E PESSOAS LIGADAS AO FUTEBOL QUE CONTRIBUIRAM DE ALGUMA FORMA PARA QUE PUDESSEMOS CONHECERMOS UM POUCO MAIS DA HISTORIA DO FUTEBOL BRASILEIRO E MUNDIAL.

sábado, 15 de maio de 2010

O Craque disse e eu anotei - OBERDAN CATANI

Entrei em contato com o Oberdan Cattani via telefone. Ele aceitou de imediato a entrevista. Marcamos para quinta-feira a noite, dia 13/05/2010. Antes de entrevistá-lo, conversamos bastante, deixando ambos bem à vontade para a matéria. Gravamos no seu quarto de recordações, onde pude testemunhar o quanto ele é palmeirense, com belas recordações do se passado que ele tanto se orgulha.
Com 90 anos, Oberdan é muito lúcido e sábio, mostrando muito conhecimento e vivência sobre futebol em qualquer época. Ele ficou emocionado por ser lembrado e concedeu com muita satisfação e simpatia a entrevista.
Confiram a matéria.

1)Como foi o seu primeiro contato com o futebol?
Lembro bem. Nasci na cidade de Sorocaba, interior de São Paulo. Perdi meu pai com 12 anos de idade. Jogava no clube escolar. Cheguei a jogar na linha. Fui caminhoneiro. Viajava pra São Paulo e Curitiba. Assistia os jogos no Palestra Itália. Devo muito ao meu irmão, Athos, que também foi goleiro em Sorocaba. Éramos em 8 irmão, todos falecidos.

2) Qual foi o goleiro que te inspirou?

Jurandir e Batatais. O Jurandir era um senhor goleiro. Outros grandes goleiros foram Barbosa e Gilmar. O próprio Leão também foi um bom arqueiro. O Brasil é um celeiro de grandes goleiros.



Oberdan e Mauricio num bate papo descontraído


3) Fale sobre a sua chegada ao Parque Antarctica em 1940.

A chegada foi normal. Quando fui fazer o primeiro treino, haviam 15 goleiros. Achei que, com tantos goleiros, não daria tempo pra mostrar algo. O técnico da época, Caetano de Domênico, gostava de atirar as bolas com as mãos para os goleiros, insinuando. Caso o goleiro não pegasse, ele mandava trocar para o próximo. Eu fui o último. Já estava com este sistema de treino em Sorocaba. A primeira bola que ele jogou, peguei com uma mão só e com ela batendo no chão. Devolvi a boa pra ele, que disse uma palavra em Italiano que eu não entendi. Depois jogou a bola para o lado esquerdo, fui lá em cima e agarrei com as duas mãos, pois tinha muita facilidade pra essas coisas. Ele gostou e me pôs logo pra treinar. Fiz um ótimo treino e todo mundo gostou. Tive que começar no Segundo Quadro. Tinha na ocasião propostas do Corinthians e do Santos. Estava muito difícil vir de Sorocaba. Portanto o contrato foi até o final de 1940 e, no ano seguinte, já estava no Primeiro Quadro.
O Segundo Quadro era um timaço com Rolando, Eliseu e Silas. Muita gente ia mais cedo ao Pacaembu para nos ver jogar.

4) O episódio da mudança do nome de Palestra Itália para Palmeiras, em 1942, o magoou? Comente sobre isso.

Estavamos concentrados numa chácara na cidade de Poá. Foi lá que recebemos a notícia que o nome havia mudado para Palestra de São Paulo. Quando falaram isso na reunião, teve jogador que até chorou. O Brasil estava em guerra contra a Itália. Mas era do outro lado do mundo, não tínhamos nada a ver com isso. Havia um time conhecido como Palmeiras, que foi fechado. Então um diretor sugeriu o nome de Sociedade Esportiva Palmeiras, sendo que os dirigentes e jogadores concordaram. Estreamos contra o São Paulo com aquela vontade de ganhar. O Waldemar de Brito fez o primeiro gol são paulino. Viramos para 3 a 1. No Segundo Tempo, aos 20 minutos, houve um pênalti a nosso favor. O Luizinho, que jogou no Palestra, sendo campeão em 36 e 40, pegou a bola e não deixou que batêssemos a penalidade. O juiz esperou acabar o tempo. Morreu o Palestra invicto e nasceu o Palmeiras campeão.

5) Diga a equipe do Palmeiras que o Senhor mais gostou.

Foi o time de 1942. Jogavam Oberdan, Junqueira e Begliomini; Zezé Procópio, Og Moreira e Del Nero; Cláudio, Waldemar Fiúme, Echevarrieta, Villadoniga e Lima. O Cláudio foi o mesmo que jogou no Corinthians. Muitos dirigentes não o queriam no Palmeiras, porque achavam ele muito baixinho. O Corinthians contratou ele, formando a maior ala-direita do futebol brasileiro na época, com o Luizinho Pequeno Polegar, dois jogadores extraordinários.

6) Na sua época existiam nas escalações das equipes as chamadas linhas-médias . O Corinthians tinha Jango, Brandão e Dino. No São Paulo brilhavam Bauer, Rui e Noronha. E no seu Palmeiras jogavam Zezé Procópio, Og Moreira e Del Nero. Qual foi a que mais te agradou?

Nossa Senhora! Voto em Jango, Brandão e Dino. Jogavamos na Seleção Paulista. O Jango era forte, sendo que o atacante passava mas a bola ficava. Brandão era mais firme, difícil de passar por ele. E o Dino era o mais clássico.


7) Comente sobre sua passagem pela Seleção Paulista.

Tive um recorde pela Seleção Paulista, pois fui convocado de 1941 a 1952. Conquistei um Bicampeonato. Fui titular absoluto, sendo que haviam outros grandes goleiros. Em 52 pedi dispensa, ano que a Seleção Paulista também foi campeã. O Palmeiras iria excursionar no México, sendo que só viajavamos pra América do Sul. Queria conhecer outros países. Fiquei durante 15 dias lutando pra conseguir esta dispensa, mas o Paulo Machado de Carvalho não queria. Ela acabou aceitando e eu fui com o Palmeiras para o México.

8) Quais foram os melhores zagueiros que atuaram ao seu lado e os mais perigosos atacantes que enfrentou? Fale sobre eles.

Tive a felicidade de jogar com Domingos da Guia, Norival, Newton Carregal e Agostinho (Corinthians). O que mais gostei foi o José Junqueira de Oliveira. Bola na área, pulava muito bem de cabeça e dava carrinhos na bola sem tocar o adversário. Joguei também com Caieira, Begliomini e Turcão. Foram ótimos beques .
Nossa, a linha de ataque do Corinthians com Lopes, Servílio, Teleco, Joane e Carlinhos. Eu enfrentava o São Paulo com Luizinho, Sastre, Leônidas, Remo e Teixeirinha. O Santos com Antoninho, Odair e Rui. Cada jogador extraordinário.
No Rio de Janeiro haviam o Ademir e o Chico. O Fluminense com Pedro Amorim, Romeu, Tim e Carreiro. Senhores jogadores de futebol. O Heleno de Freitas, que jogou comigo na Seleção Brasileira, ele era fogo e cabeceava muito bem. Tesourinha e Zizinho também eram muito bons.


9) O senhor foi poucas vezes convocado para a Seleção Brasileira. Comente a sua passagem. Sua não-convocação para a Copa do Mundo de 1950 foi injusta? O goleiro Barbosa foi culpado pela derrota?

O maior culpado foi o técnico Flávio Costa. Deixou o zagueiro Mauro Ramos de Oliveira de fora e botou o Juvenal. Trocou o Noronha pelo Bigode na lateral-esquerda. O Barbosa não teve culpa. Ainda bem que depois ele saiu da Seleção. Eu estava inscrito com o Barbosa e o Castilho, mas ele não me levou.



Oberdan mostra as mãos que tantas alegrias deu a torcida palmeirense



10) Oberdan era um grande defensor de pênaltis. Havia aquele jogador que dava as cobranças de penalidades e faltas?

O Servílio batia bem falta. No Rio de Janeiro tinha o Lelé, que batia quase do meio-de-campo, tinha um canhão no pé. Fui muito feliz nos pênaltis. Tinha facilidade. Quando joguei no Juventus, em sete cobranças, defendi cinco. Peguei um pênalti do Cláudio, que nunca perdia. Ele bateu à meia altura e mandei para escanteio. Pra mim foi uma honra, pois o Cláudio também batia bem as faltas, eram cobranças colocadas e não com força.

11) O senhor tem muito orgulho da conquista palmeirense da Taça Rio de 1951. Sente mágoa por não ter disputado as partidas finais?

Eu fui reserva do Fábio. Torci muito por ele, que era treinado por mim. O Fábio foi muito bem na Copa Rio. Fui afastado após o primeiro jogo contra a Juventus da Itália, no Pacaembu, que defendi até pênalti. Eu sei que fiz o meu papel como goleiro do Palmeiras.

12) Porque saiu do Palmeiras em 1954?

É lamentável falar sobre isso, mas peguei um presidente que não estava à altura do Palmeiras. Ele viajou comigo em 1945 com a Seleção Brasileira a convite. Disputei a posição e fui considerado o goleiro mais regular. Recebi propostas. Ele dizia que eu nunca sairia do Palmeiras e encerraria a carreira lá. Era o diretor da época. Tinha uma proposta fabulosa pra jogar no México. Quando ele tornou-se presidente, mudou completamente a sua personalidade. Eu estava machucado. Mandou um telegrama pra eu comparecer em uma reunião no Palmeiras. Recebi uma carta dele dizendo que estava dispensado, recebendo passe-livre. Ele que falava que eu nunca iria sair e fez uma carta para mim! O que eu podia fazer? Fiquei revoltado na hora, tive vontade de pegar uma cadeira e dar na cabeça dele. Despedi-me dos amigos. Fui pro meu carro e comecei a chorar. Muitos diretores também se revoltaram. Quando cheguei em casa, minha esposa achou que eu tinha renovado o contrato. Está aqui (mostrando a carta) a minha renovação. A Ponte Preta queria me contratar.

13) Fale da sua passagem pelo Juventus.

Foi um ano maravilhoso no Juventus. Chegava no interior, parecia que ainda estava no Palmeiras, os torcedores vinham me ver, alguns revoltados pela minha saída. Certa vez enfrentei o Palmeiras no próprio Parque Antarctica. Fui aplaudido pela torcida.


Oberdan com o livro contando
a sua historia. Mauricio com a
camisa da FTT


14) Os três grandes goleiros palmeirenses após a sua saída foram VNegritoaldir de Moraes, Leão e Marcos. Qual deles o senhor mais gostou?

Sou mais o Valdir de Moraes. O Leão também foi um grande goleiro.

15) O que achou de Ademir da Guia e das duas Academias das quais ele jogou?

Ele como jogador e ser humano são maravilhosos. É sempre prestativo quando nos encontramos. Foi um craque extraordinário. Sem dúvida as duas Academias foram fabulosas. Quem viu estes times e vê o time de hoje, sente muita diferença.

16) E a fase da Parmalat?

Foi muita boa, sem dúvida. Jogadores maravilhosos nesta época. Estavamos muitos anos sem títulos. Contratou jogadores a altura do clube. É muito triste para o torcedor assistir o Palmeiras atualmente.

Oberdan e sua tradicional camisa

17) Qual é o seu conselho para os goleiros atuais?

Não sei se posso dar conselho. Hoje eles tem treinamento especial. Na minha época não tinha. Eu ficava no gol e os atacantes chutando pra mim.

18) O que espera do futuro do Palmeiras e da Seleção Brasileira?

Eles tem que contratar mais jogadores, para ser igual ao Palestra Itália, que os torcedores tinham orgulho de ver jogar. Na Seleção Brasileira tem muita questão política, os estrangeiros não estão tão bem, mas torcerei pelo Brasil.

19) O senhor tem uma história muito bonita pelo Palmeiras. Acredita que receberá o merecido busto?

Eu fui jogar no Juventus e enfrentei o Palmeiras, portanto não ganharei o busto. Não faço muita questão, eu já tenho um troféu com minhas mãos. Eu agradeço tudo isso ao ex-presidente Mustafá Contursi. Ele reconheceu tudo o que fiz para o Palmeiras. Tenho minha mão lá, o que vale muito. O busto ficará nos jardins só tomando sol e chuva. Também fui homenageado no Juventus com diploma, sendo que joguei apenas um ano La. Continuarei sempre torcendo para o Palmeiras.
Reportagem: Mauricio Sabará Markiewicz

11 comentários:

  1. Mauricio

    Primeiramente quero parabeniza-lo por entrevistar um jogador da envergadura de Oberdan Catani. Um marco na historia dos grandes goleiros que o Palmeiras produziu ao longo destes anos. Depois quero dar os meus parabens ao Oberdan , um homem simples, íntegro e que nos proporcionou momentos de prazer nesta entrevista contando um pouquinho de sua historia.

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  2. Foi uma reportagem inesquecível. O Oberdan Cattani era um goleiro fantástico, além de ser um ser humano maravilhoso.
    Se dependesse de mim e dele conversaríamos bem mais.
    Abraço a todos os simpatizantes do futebol, ao Bruno e um mais que especial ao Sr. Oberdan e sua simpática família!

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  3. Mauricio,
    Primeiramente quero parabeniza-lo por entrevistar um jogador da envergadura de Oberdan Catani. Um marco na historia dos grandes goleiros que o Palmeiras produziu ao longo destes anos. Depois quero dar os meus parabens ao Oberdan , um homem simples, íntegro e que nos proporcionou momentos de prazer nesta entrevista contando um pouquinho de sua historia.

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  4. Excelente entrevista! Valeu Maurício!!!

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  5. Parabéns Maurício! Oberdan é uma lenda viva do futebol brasileiro!

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  6. Parabénsss! Excelente entrevista!!!

    E sobre a sua não convocação na Copa do Mundo de 1950, onde o maior culpado foi o técnico Flávio Costa; coincidentemente Nilton Santos tbm se queixa do mesmo técnico e, disse mais: "Só não fui em 1950 porque o Flávio Costa não deixou eu entrar", reclama Nilton. Se estivesse lá, garante o craque, Ghiggia, o ponta uruguaio, não teria dominado a bola livremente na ponta-direita, não teria disparado rumo à área do goleiro Barbosa, não estufaria as redes e não entraria para a história como o maior carrasco do futebol brasileiro. "Comigo em campo, o Brasil podia até perder a final, mas não com um gol do Ghiggia. Eu seria a sombra dele."
    Segundo Nilton...Flávio Costa não entendia nada de futebol.
    Esse é Nilton Santos!!!

    Ahhh, uma entrevista com o nosso "Enciclopédia do Futebol" aqui na FTT, seria TUDO de bom! (:
    Fica a dica...

    Carinhoso abraço!

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  7. Memórias do futebol! Este é o espírito da FTT. Maurício, gde. entrevista!

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  8. Maurício!Mais uma entrevista espetacular.Você está presenteando todos os apaixonados pelo futebol do passado e principalmente aos Palmeirenses mais jovens ,tenha certeza disso.Parabéns!

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  9. Parabéns, Maurício, bela entrevista, muito interessante, perguntas bem direcionadas, excelente mesmo.

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  10. O busto como o Oberdan disse vai só tomar sol e chuva. Esta homenagem de uma maneira injusta nosso
    grande oberdan não recebeu, mas, crei que a maior homenagem que devemos prestar a ele é sempre divulgar
    o seu exemplo de vida e de atleta

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  11. Parabéns Mauricio. Oberdan era meu ídolo. Quando garoto eu jogava no gol. Quando eu saltava e defendia alguma bola, eu gritava: "defendeeeeeu Oberdan". Há alguns meses antes de sua morte,conversei várias vezes com ele, que vinha a Sorocaba para se tratar no Banco de Olhos de Sorocaba. Ele não considerava o Corinthians como adversário, mas o são Paulo. Quando lhe perguntei por que, me disse que o São Paulo tentou se apossar do Parque Antártica. Outra coisa: quando você lhe perguntou, na entrevista, quem ele considerava melhor, entre os goleiros: Valdir, Marcos e Leão, ele citou Valdir de Moraes e Leão. Não fez referência ao Marcos que brigava com ele quando Oberdan fazia alguma crítica à sua atuação em campo.

    Grato, Theodoro de Sorocaba

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