O Basílio eu conhecia pessoalmente quando ele participou de uma homenagem também feita ao Marcelinho Carioca, por intermédio do jornalista Celso Unzelte. Mas nunca havia conversado com ele. Através da apresentação do meu amigo Jayme, pude conversar com ele e ficamos de marcar uma entrevista. Basílio é presidente da Associação Cooperesportes Craques de Sempre (http://www.craquesdesempre.com.br/), que tem como objetivo auxiliar as crianças a se tornarem grandes cidadãos, passando as suas experiências. Fui muito bem recebido pelo herói do Corinthians de 1977, me passando com muita emoção e humildade a sua história. Confiram a matéria
Basilio um herói corintiano.
FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS: Basílio, fale sobre este título de 1977. O que ele significou pra você? E se depois da invasão de 76 vocês perceberam que alguma coisa estava mudando no Corinthians? BASÍLIO: Você praticamente já respondeu, depois de 76, naquela invasão que tivemos no Maracanã, já nos deu um alerta de que estávamos próximos de alguma coisa e, dentro daquilo que os torcedores e profissionais que trabalhavam no Corinthians queriam e isso acabou acontecendo até dentro de uma naturalidade, porque no momento mais difícil que tivemos, após uma derrota em pleno Pacaembu, onde nossa diretoria chutou até a porta do vestiário quando entramos lá. Mas nós tínhamos um comandante que tinha um perfil e tranquilidade e perseverança pra terminarmos um campeonato com dignidade e, principalmente, com a esperança de nos classificarmos. E foi isso que acabou acontecendo, pois depois desta derrota que tivemos para o Guarani, dali pra frente só foi alegria, buscar aquilo que nos classificaria.
FTT: E este comandante é o saudoso Oswaldo Brandão?
BASÍLIO: Isso, não tenho palavras que digam sobre esta pessoa maravilhosa, com a sua comissão técnica, o professor Teixeira, João Avelino, são pessoas de suma importância que nós tivemos dentro deste grupo. Nós nos respeitávamos, tinha brigar, não vão pensar que tudo era rosa, existiam espinhos também, mas tudo dentro de um respeito e uma hierarquia, daquilo que o Sr. Oswaldo Brandão implantava no projeto que o Corinthians se dedicou quando o contratou.
FTT: Como foram estas três últimas partidas no Morumbi?
BASÍLIO: No primeiro jogo eu praticamente exerci uma função totalmente diferente como lateral, tendo que acompanhar o Odirlei em todos os setores do campo, sendo que no lado esquerdo o Adãozinho fazia normalmente esta função. Isso foi também no segundo jogo. No terceiro não, pois depois da punição do Odirlei, eu tive mais tranquilidade pra poder trabalhar. Mas na primeira partida ganhamos com um gol de cara do Palhinha, um time que foi aplicado e determinado, saímos com um resultado favorável, não falando da equipe da Ponte Preta que, pra mim, “nunca vi um time tão perfeito como o da Ponte daquela geração”!
Basilio e a homenagem do clube a ele no museu do
Corinthians.
FTT: Tem aquela injustiça de que a Ponte Preta merecia ser a campeã daquele ano e não o Corinthians, mas nas vezes que vejo o jogo final, observo que o Corinthians dominou o terceiro jogo. Acho que aquele título não tinha como não ser do Corinthians.
BASÍLIO: Eu falo e repito para as pessoas, porque eu tive o privilégio de assistir todinho na íntegra, junto com o Dicá e o Tobias, fomos na TV Bandeirante, assistimos desde a entrada no campo, as entrevistas, pegamos tudo. O resultado de 1 a 0 foi muito pouco perante o que o Corinthians jogou, não desmerecendo jamais o time da Ponte, como eu acabei de citar, um time que nunca vi jogar com tanta perfeição, não só na defesa, meio-de-campo e ataque. Só que naquela noite existia uma palavra para nós: superação. E todos nós a colocamos dentro de cada um que estava aí, dos que estavam no banco e até aqueles que nos estavam assistindo, então por isso é que nós fomos vitoriosos com méritos, porque volto a dizer que 1 a 0 foi pouco perante o que o Corinthians errou de oportunidades e as defesas feitas pelo Carlos. Basilio e Mauricio Sabará
FTT: Citei o Oswaldo Brandão, citamos alguns jogadores, mas há também o presidente Vicente Matheus. Qual é a sua lembrança do também saudoso Matheus?
BASÍLIO: Eu estava deixando o Sr. Vicente por último porque também ia falar. Citei o que ele fez de ruim, porque eu falo até no filme 23 Anos em 7 Segundos, pois ele que entrou chutando porta, estava muito revoltado pelo investimento que fez e o time praticamente buscando ter uma esperança de classificação acaba perdendo dentro de casa. A diferença aumenta mais em relação ao primeiro colocado, que era o São Paulo. Jamais vamos desmerecer a capacidade de um homem íntegro como o Sr. Vicente. Hoje no futebol está difícil, não vemos o caráter de um homem simples e humilde, mas que soube como vencer na vida e a sua gestão dentro do Corinthians como presidente eu os tenho que enaltecer, não somente pelas conquistas que tivemos com ele, mas daquele homem que também sabia ser rude, que cobrava na hora certa, mas que também poderia se considerar um Paizão, pois era uma pessoa maravilhosa, com um lindo coração, principalmente tendo ao seu lado a Dona Marlene, o seu irmão Isidoro Matheus, Aloísio, Benê Ramos (auxiliar de preparação física), Sr. Paulo (roupeiro), Miranda, Rezinho, Sr. Rocco (massagista). É muito gostoso e gratificante estar fazendo esta matéria e lembrar destas pessoas que fizeram parte importante desta conquista.
FTT: O que mudou na sua vida depois deste gol?
BASÍLIO: Olha, depois desta conquista, mudou tudo na minha vida, não somente em relacionamento com as pessoas, mas em reconhecimento. Eu jamais imaginaria quando o Lucas Neto na entrevista no vestiário falou pra mim se eu sabia que iria entrar para a história. Eu jamais tinha idéia desta dimensão. Brinquei com ele falando do Tio Patinhas e do Fantasma, que eram os gibis da época, brincando como resposta pra ele. Mas não imaginava que seria esta dimensão que está sendo, porque vão se completar 33 anos e o carinho que as pessoas tem comigo, estou sendo reverenciado pelas pessoas, não somente torcedores do Corinthians, são também do São Paulo, Palmeiras, Santos e Portuguesa. As pessoas tem carinho por mim. Eu falo para os meus filhos e netos para que elas respeitar todo este carinho.
ao Corinthians contra a Ponte Preta.
http://www.youtube.com/watch?v=lGQqPRDMfVA
FTT: Basílio, você citou uma coisa interessante, que conseguiu entrar para a história, mas eu já vi em muitas entrevistas suas você comentar que o Oswaldo Brandão teve uma visão ou um sonho e disse que você seria o autor do gol do título. Fale sobre esta história.
BASÍLIO: É assim, como o Zé Maria e eu estávamos em tratamento intensivo, teríamos que fazer uma avaliação e, na noite que antecedeu isso, conversávamos e disse para o Zé que agora era a hora da decisão, do filé, roemos todinho este osso e vamos ficar de fora, mas tenho fé que amanhã vamos melhorar. Nossa preocupação fica em cima da avaliação que você tem que fazer pelo preparador físico, pois ele vai exigir de você o máximo. Às vezes se você não tem uma lesão, acaba até sentindo outra. Mas Deus foi tão grande que, pela manhã, quando fomos acordados pelo Sr. Oswaldo Brandão. Por ser kardecista, gostar de ler Alan Kardec, vemos a fé de um homem que trouxe a maior notícia do mundo. Fico até arrepiado quando falo, dizendo que não iríamos fazer avaliação, entrarão para o jogo e não sentirão nada. Você, neguinho (era eu), vai fazer o gol que vai nos dar o campeonato. Eu ainda falei pra ele, que faça o Tobias de mão na área adversária, que seja validado e saiamos de lá como campeões, independentemente de quem fará o gol. Aí você começa a analisar até quando vai a fé de um ser humano, ele por estar em uma situação difícil, com problemas familiares, soube separar as coisas e nos dando esta linda notícia. Nestes dias estava até preocupado, querendo lembrar qual era o número do meu quarto que dormia, quando este homem nos deu esta notícia. E vou te dizer mais, logo em seguida no Campeonato Brasileiro, fui jogar e senti a minha lesão. Fui um predestinado, principalmente com as palavras de apoio do Sr. Oswaldo Brandão, portanto fico pensando como este homem era iluminado, pois todas as conquistas que teve, o carinho dos torcedores de outros times que trabalhou, como o Palmeiras, São Paulo e fora do Brasil, sempre se dando bem no seu trabalho. Uma pessoa iluminada e de caráter.
Basilio na Portuguesa contra Mirandinha no Corinthians |
FTT: Como foi a sua chegada no Corinthians em 1975? Sua missão era substituir o Rivellino?
BASÍLIO: Eu estive duas vezes dentro do Corinthians, conversando com os diretores, deixando tudo acertado. Os diretores da Portuguesa descobriram e, sempre em época de Carnaval, acertando o meu contrato e, quando voltei a treinar, o meu material foi recolhido, que era pra eu me trocar e ir conversar com o presidente que estava me aguardando, tomava umas duras, com a condição de ser multado, mas sempre o jogador acaba chorando e se lamentando, sendo que os dirigentes tinham um coração maravilhoso, entendiam o meu lado. Mas o Corinthians tentou negociar e justamente o próprio Rivellino queria que eu fosse pra lá, o que nunca acabou acontecendo. E nesta em que eu fui contratado, já tinha acertado um contrato com o Santos. Como o presidente da Portuguesa tinha me liberado, eu fui conversar com o diretor do Santos, deixando tudo encaminhado e acertado. À noite em que o meu pai me encontrou e veio falar comigo, dizendo que eu tinha que conversar com o Sr. Matheus, que estava me esperando. Respondi à ele que não podia, pois acertei com o Santos, que o presidente liberou o Xaxá e eu, sendo que da minha parte está tudo acertado e já estou com o cheque. Então o meu pai disse pra eu tratar de devolvê-lo, porque o Sr. Oswaldo Teixeira Duarte falou que se eu não acertar com o Corinthians, ele reformaria o contrato com a Portuguesa. Aí eu fui lá à noite, na casa do Sr. Vicente. O meu empresário era o meu pai, tinha plena confiança nele, pois jamais iria fazer algo de errado, me prejudicar, pelo contrário, sempre procurando ter os pés no chão, entendendo o lado do clube, o meu e da família. Tudo chegava à um bom senso, acertando o contrato normalmente e, de repente, foi o que aconteceu, acertei naquela madrugada, sendo que acordei cedo, tomei a minha ducha, esfriei a cabeça, fui procurar o diretor do Santos, sendo que ele já sabia e tinha entendido tudo, me desejou boa sorte e fui me apresentar no Corinthians. Era uma geração gostosa, sendo que muitos dirigentes deveriam aprender com estas pessoas. Não é simplesmente pensar no “eu”, pois acho que o clube, a bandeira e a instituição são maiores do que todos, sendo que de repente eles não vêem desta forma, pois se tentar prejudicar um atleta, ficará muito feliz, pois às vezes não tem uma participação no que está sendo distribuído, na questão de contratação e renovação.
Basilio exibe orgulhoso a sua foto ao lado do presidente corintiano Lula.
FTT: Basílio, sabemos que a sua história bem ligada ao Corinthians mas, como você falou, a Portuguesa deve ser um time que você tem um carinho muito grande. Fale também deste período.
BASÍLIO: Joguei quase dez anos na Portuguesa. Era o clube que mais revelava jogadores e tive lá a minha grande oportunidade. Se eu pudesse atualmente trabalhar como dirigente de um clube, ou até do próprio Corinthians, gostaria de trazer algumas coisas que eu passei, como conhecer a família do atleta, passar à ela sobre o que ele iria fazer no futuro. Eu sempre fui recebido com o maior carinho, os dirigentes da Portuguesa foram à minha casa, viram que eu me destacava nas categorias de Base, acertaram um contrato de gaveta (próprio da época), perguntavam ao meu pai se morávamos de aluguel, se tínhamos terreno, uma casa ou moradia para nós. Então, diante daquele contrato que acabava de assinar, aquelas pequenas luvas que tinha, eles me orientaram para colocar o dinheiro em uma poupança, ou juntar um pouco mais para dar de entrada em um apartamento ou uma casa. Eles orientavam o atleta, não era só dinheirinho entrar e ir para uma loja comprar um carro importado. Muito pelo contrário, fui orientado a me basear por aquilo que eu tinha, pois os meus pais sempre se sacrificaram pra poder ajudar meu irmão, minha Irmã e eu, com colégios pagos, todas as dificuldades, mas os dirigentes diziam que teríamos todas as condições e privilégios para acomodar a nossa família. E hoje posso estar passando pra vocês sobre aquilo que o garoto se inicia atualmente, para não pensar na Europa, mas primeiramente vencer aqui, pra depois ter a sua independência financeira. Não pense lá na frente, mas no momento, aproveitando a vitrine que o clube está dando, independente qual seja, pois ele te abriu as portas, te dando este espaço, aproveite com todo o carinho, sendo que a Portuguesa era desta forma.
FTT: E o título de 79 do Corinthians?
BASÍLIO: Foi um título bacana, porque a inteligência do Sr. Vicente Matheus em paralisar um campeonato, pois se naquele momento fôssemos à uma final contra o Palmeiras, acho que não atingiríamos nossos objetivos, porque eles estavam em um momento maravilhoso. Aí o homem se aproveitou de uma situação, paralisou o campeonato, enquanto que o Palmeiras foi para as férias, nós continuamos treinando, voltando antecipadamente, nos levando a classificar e decidimos novamente com a Ponte Preta e mais uma vez fomos campeões. De 77 pra cá tudo se transformou. Foi um renascimento e uma esperança para o Corinthians, parece que o próprio clube teve um ensinamento, as coisas precisariam ser feitas dentro de um planejamento, o clube cresceu, vieram ótimas contratações, o torcedor respondendo nas arquibancadas. O Corinthians desta forma é desta forma, pois quando vamos falar este nome que é muito forte, a sensibilidade que eu tenho à ele mexe muito comigo e com os meus familiares.
FTT: Por que você saiu do Corinthians?
BASÍLIO: Eu saí do Corinthians em 1981 porque estava havendo uma reformulação e aqueles que haviam tido algumas conquistas e já não faziam parte daquele projeto. O clube estava certo, tem que ser ambicioso pois “rei morto, rei posto”, tinha novidades e contratou excelentes jogadores que chamavam a atenção. Como disse antes, de lá pra cá tudo se transformou de uma maneira positiva, de 1977 a 2010 o número de conquistas foi muito grande.
FTT: O que você achou do Corinthians na Libertadores em 2010
BASÍLIO: Foi uma pena e grande lamentação que eu tenho. Não adiantou procurar culpados, porque se formos analisar friamente, caso tenham havido erros, foram por parte do Corinthians, pois o planejamento foi bom, só que na prática deixaram de observar que estavam vindo coisas das quais sabíamos que não iriam se identificar com a camisa do Corinthians, o que acabou acontecendo. Mas eu tenho certeza que vai se classificar novamente na Libertadores, que é o sonho de todos nós corintianos.
Maurício, só tenho a agradecer à esta entrevista, pois me emociono muito quando falo do Corinthians, me inflamo porque é coisa do nosso coração. Fico feliz por estar fazendo esta matéria com você e obrigado por sua paciência. O mais importante é poder passar o que vivemos na história. Eu sou sempre acostumado a falar que o Corinthians depois de 77 teve várias gerações, a Democracia Corintiana com o Sócrates, o Xodó Neto como nosso primeiro
Brasileirão, depois tivemos todas as conquistas por intermédio do Marcelinho que cansou de ganhar títulos e agora o Ronaldo Fenômeno que com pouco tempo também faz parte desta história. E gostaria que tudo isso fosse preservado com o maior carinho.
REPORTAGEM: Maurício Sabará Markiewicz.
FOTOS: Estela Mendes Ribeiro.