FTT - Futebol de Todos os Tempos

ENTREVISTAS COM EX JOGADORES, TECNICOS, DIRETORES E PESSOAS LIGADAS AO FUTEBOL QUE CONTRIBUIRAM DE ALGUMA FORMA PARA QUE PUDESSEMOS CONHECERMOS UM POUCO MAIS DA HISTORIA DO FUTEBOL BRASILEIRO E MUNDIAL.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

O craque disse e eu anotei - VITOR

A entrevista com Vitor foi recheada de declarações sobre bastidores e coisas que aconteceram naquela decisão de brasileiro em 1974 e sobre a primeira versão dos Meninos da Vila em 78.. Porem  alem de historias do futebol, pude realizar esta materia em um ambiente charmoso, cultural e repleto de historias. Vitor é um conhecido marchand em Belo Horizonte, dono de uma galeria repleta de quadros sensacionais , alguns deles com altos valores. Tive ali , naquela hora de bate papo , um aprendizado sobre pintores e seus estilos alem de muita simpatia por parte do entrevistado. Homem culto , educado e que nos proporcionou uma entrevista repleta de  detalhes bem descritos por ele.
Confiram!


FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS - Você se inspirou em algum goleiro no inicio de carreira?
VITOR  - Dois goleiros me marcaram muito. Um que eu gostava muito era o Renato que jogou no Atletico e Flamengo. Eu achava o Renato com um poder de ação e reação extraordinario eo o outro que na parte tecnica acho que foi exemplo pra toda uma geração, pela postura, um cara carismático mesmo: Mazurkiewicz. Eu tive a sorte de iniciar no Cruzeiro e em 74 enfrentei o Mazurkiewicz. Em cada mexida, cada defesa que ele fazia eu observava.Ele fazia as coisas altamente tecnicas sem muito esforço. As coisas pareciam acontecer naturalmente, talvez pela postura dele. Ele tinha muito do Raul, aquela coisa da colocação. Raul jogava em pé, bem colocado, naquela tranquilidade. Já o Mazurkiewicz era mais voluntarioso mas resolvia as coisas da maneira mais facil pois tinha muita tecnica. Creio que ele foi fundamental para a minha carreira.


FTT - Você nem bem chegou aos profissionais do Cruzeiro e já foi convocado em 1972 para a seleção brasileira Olimpica. Uma seleçao forte com jogadores como Abel, Osmar Guarnelli, Carlos Alberto Pintinho, Falcão, Angelo, Rubens Galaxe, Nilson Dias e que acabou sendo desclassificada. O que faltou a este time?
VITOR - Na realidade o que aconteceu foi o seguinte: naquela epoca os paises socialistas não tinham seleções profissionais e usavam as seleções principais como seleções olimpicas (amadoras).  Logicamente neste periodo pré 76 a maior parte dos campeões se você pegar será a Tchecoslovaquia, Hungria, União Sovietica. Nós ainda demos azar de cair na chave da Hungria mas mesmo assim tinhamos totais condições de vencer. O nosso grupo era tão bom que acabaram sendo cortados por excesso de bons jogadores  o Zico e o Eneas. Tinham jogadores excepcionais como o Dinamite, o Dirceuzinho ponta esquerda, o Angelo, Falcão. Imagina uma zaga com Abel e Osmar Guarnelli! O Nielsen era o outro goleiro. Nós perdemos para a Dinamarca na estreia (3x2) e depois fizemos uma partida maravilhosa contra a Hungria (2x2) . Acabou que no ultimo jogo a coisa desandou e perdemos para o Irã. Não sei te dizer o que faltou ao certo mas faltou um molho aí neste time.

A Seleção Brasileira repleta de futuros craques e jogadores que fizeram historia como: Falcão, pintinho, Abel, Pires, Rubens Galaxe, Bolivar, Nilson Dias, Pedrinho  e Vitor.




NO CRUZEIRO JOGANDO ENTRE FERAS COMO TOSTÃO, DIRCEU LOPES , JOÃOZINHO & PALHINHA

FTT - O que houve com Raul no periodo de 73 e 74 que na maioria das vezes quem jogou de titular  foram o Helio e você (Vitor)?
VITOR -  Na verdade, o Helio era um goleiro muito bom tecnicamente tambem. O Raul brigou muito. Neste periodo o nosso treinador era o Ilton Chaves e ele teve uma relação muito desgastante com o Raul. A coisa acabaou complicando e o que aconteceu é que o Cruzeiro tinha tres goleiros muito bons. Quem entrava não saia. O Helio era muito bom. Teve então um jogo na semifinal do brasileiro de 73 contra o palmeiras e o Cruzeiro não jogou bem. O Ilton Chaves resolveu sacar o Helio e me lançou.Com ele era assim: jogou bem continua. E naquele time não tinha como perder pra ninguem. Um meio de campo que tinha Ze Carlos, Piazza e Dirceu Lopes era uma maquina. Dificil de perder.

Zé Carlos, Nelinho, Procopio, Vitor, Perfumo e Vanderlei . Agachados: Eduardo, Palhinha, Candido, Dirceu Lopes e Rodrigues
FTT- Você jogou ao lado de Procopio e Perfumo. Para muitos a dupla de zaga do Cruzeiro de Todos os Tempos. fale um pouco do futebol dos dois e se considera tambem a melhor dupla que o clube teve.
VITOR - Os dois jogaram juntos a maior parte do campeonato de 74. O Procopio estava voltando de uma longa contusão e voltou muito bem. Estava jogando muito.Na reta final não me lembro ao certo qual o motivo mas parece que teve um desentendimento tambem do Procopio com o Ilton Chaves. Acabou entrando o Darci Menezes. Mas o Procopio alem de uma pessoa fenomenal era um craque. A zaga Procopio e Perfumo era mesmo muito boa. O Perfumo era um craque mas jogava muito calado. Quem brigava e falava era o Procopio. Os dois eram muito tecnicos , principalmente o Perfumo. Porem o Procopio era mais vigoroso, queria ganhar tudo. Para mim eu não me lembro de uma zaga como os dois . Em posicionamento, altura, em tudo. Perfeita.

Procopio e Perfumo são eleitos na maioria das pesquisas como a zaga perfeita do Cruzeiro .

FTT - Você pegou talvez um dos melhores times na historia do Cruzeiro. A transição dos jogadores dos anos 60 como Piazza, Procopio, Piazza, Dirceu Lopes  com a nova geração de Perfumo, Nelinho, Eduardo, Roberto Batata, Palhinha e Joãozinho. O que dizer deste time?
FTT - Você falou tudo. Aquele time era excepcional. Tinha como principal pilar o Zé Carlos.Zé Carlos foi o jogador de meio campo mais tecnico que eu conheci em minha carreira. A posição que ele jogava ali como um meia armando,  era a mesma que jogavam os dois considerados os maiores do mundo, Beckenbauer e Falcão. Porem para mim os dois não chegavam na "unha" do Zé Carlos. Se Zé Carlos jogasse hoje era jogador pra ganhar mais de 1 milhão por mes. O esteio ali com Ze Carlos, Piazza e Dirceu Lopes era mesmo fantastico.

Piazza, Fontana, Perfumo, Vitor, Tostão, Eduardo, Ze Carlos, Roberto Batata, Vanderley, Repetto e Dirceu Lopes - Encontro de duas gerações em 1972


FTT - No triangular final do Brasileiro voces pegaram o Santos de Cejas, Marinho Peres, Turcão, Clodoaldo, Brecha, Pelé e Mazinho. O jogo foi no Morumbi. Se lembra desta partida?
VITOR - O Cruzeiro fez partidas excepcionais naquele ano. Me lembro de uma partida memoravel que fizemos contra o Corinthians no Pacaembu.Vencemos por 1x0. Teve outra contra o Inter.Foram jogos marcantes mas realmente este contra o Santos foi o maior deles. O Cruzeiro jogou tanta bola neste dia que teve um detalhe interessante. A defesa do Santos começou a bater, mas a bater mesmo. Só que o Cruzeiro fez 3x0 rapidamente. Foi quando o Pelé gritou lá na frente. "Não adianta voces baterem  nos caras, voces não vão bater. Voces não estão achando ninguem e não adianta ficar dando pancada . Pelé usou este termos. Perguntou aos defensores porque eles estavam batendo e disse para não baterem mais. O proprio Pelé reconheceu que eles não acharam nosso time. Nelinho e Dirceu Lopes fizeram dois golaços e um detalhe em cima do Cejas um goleiraço.


FTT - Cruzeiro e Vasco terminaram então empatados mas por ter maior maior soma de pontos a final seria no Mineirão. Acabou que a diretoria do Vasco alegou invasão de campo no jogo anterior e a partida foi transferida para o Maracanã. Como voces jogadores viram esta situação?
VITOR - O   que aconteceu foi o seguinte. Numa partida antes da do Santos o Cruzeiro jogou com o Vasco no Mineirão e o Sebastião Rufino roubou tanto , mas tanto que deixou de marcar dois penaltis clarissimos. Um foi tão indecente que os dirigentes não aguentaram e invadiram o gramado no finzinho do jogo. Se neste jogo ele tivesse apitado certo nós teriamos vencido e jogariamos em São Paulo pelo empate ou seja sairiamos de lá campeões. Bem aconteceu, e o que houve a seguir foi o seguinte. Muitos dizem que o Felicio Brandi se vendeu porque a cota da CBD para o Cruzeiro era muito boa. Uma grande injustiça que fazem com o Felicio. Não teve nada disto; a CBD forçou o Cruzeiro a aceitar a transferencia para o Maracanã pois o Cruzeiro teria uma viagem e um jogo seis dias após a final do campeonato para um torneio nos Estados Unidos e Canadá.. Uma excursão muito boa do Jorge Guttman e que naquela epoca gerava muita receita aos clubes. Então o que ocorreu foi que a CBD falou "ou voces veem para o Rio ou não viajam para o exterior" e acabou o assunto. Para se ter ideia, naquela epoca uma excursão destas representava tres meses de salario do clube, não é como nos dias atuais.Quero aproveitar para fazer esta correção na historia pois o Felicio Brandi foi um homem fantastico  e que preparou o Cruzeiro para ser o que é hoje.O maior presidente até hoje.

 
FTT - E a  mudança de local do jogo foi de repente, o prazo era curto para a final e a excursão.
VITOR - Foi de um dia para o outro. Uma correria pra arranjar hotel, campo pra treino, avião.

FTT - E a torcida do Cruzeiro conseguiu comparecer em bom numero mesmo tendo que se mobilizar de uma hora para outra?
VITOR - Ah foi sim. Eu acho que tinham uns 8 mil cruzeirenses presentes.
Lance da final aparecendo Roberto Batata, Ze Carlos, Luis Carlos (V), Piazza, Roberto Dinamite (V) e Perfumo

FTT - Esquecendo a inversão de mando de campo no jogo você acha que o Armando Marques foi tendencioso ou o Vasco foi mesmo melhor?
VITOR - O Vasco tinha um bom time mas o Armando Marques foi decisivo neste jogo.

FTT - O que Armando Marques alegou no gol de Ze Carlos aos 44 minutos do segundo tempo ?
VITOR -  Ninguem sabe. Até hoje ele não falou. O bandeira que estava do lado de lá era o Oscar Scolfaro na época um dos grandes juizes do Brasil. Para você ter ideia, estávamos saindo do vestiario eu, Dirceu Lopes e Nelinho, arrasados. Na saida perto do vestiario dos juizes nos encontramos com o Scolfaro e ele gostava muito do Dirceu Lopes. Então ele se aproximou e disse : "ohh baixinho, quero te pedir desculpas por este erro monumental do meu colega. Lamento profundamente."  Você ve que ele era o bandeira e corre para o meio de campo validando o gol. Você ve que quem cruza a bola é o Baiano que entrou no lugar do Eduardo. Se a bola estivesse pelo menos proxima da lateral ou coisa parecida mas não....a bola estava mais de 1 metro dentro do campo. O Zé Carlos quando sentiu o lançamento, aproveitou que o Miguel e Moises estavam mal posicionados, saiu por trás deles e ficou sozinho na cara do Andrada. Eu acho que talvez seja o gol mais escandalosamente roubado da historia do futebol mundial. Eu já disse muitas coisas que eu tinha pra dizer sobre o Armando Marques, ao Milton Neves a Placar e ele ameaçou me processar. Eu não estou nem aí. Na copa de 1978 o Carlos Alberto Cavaleiro confidenciou para o Nelinho que na tarde daquele jogo o senhor Antonio do Passo , que era igualzinho ao Eurico Miranda só que ele era mafioso , não falava chegou na sede da CBD e presenciou  o Antonio do Passo falando para o Armando Marques: olha Armandinho, se o Vasco não for campeão brasileiro sua carreira de arbitro se encerra aqui hoje. Quem confidenciou isto ao Nelinho  foi o Carlos Alberto Cavalheiro um homem serissimo. O Antonio do Passo não era apenas dirigente do Vasco . Para quem não sabe ele era inspetor da CBD tambem. Tinha influencia direta lá dentro.  Você pode perguntar pra qualquer um que estava em campo seja o Piazza,, Ze Carlos, Nelinho, Palhinha qualquer um. Todos pensam somente neste lance do gol mas foi muito mais complicado. O Piazza era capitão e qualquer coisa que ele ia falar o Armando já gritava: capitão, capitão se falar mais alguma coisa vai pra rua. Do lado de lá o Miguel e Moisés batendo com força e o Palhinha tomando porrada. O Armando chegava pra ele e dizia: senhor Wanderlei, Wanderlei Eustaquio não caia que eu não vou marcar falta dizia ele com aquele vozinha caracterisrtica dele. Do lado de lá, o Perfumo com aquela elegancia dele nem encostava nos caras do Vasco e o Armando dava falta. Qualquer um que caia ele falava que iria expulsar. Foi amarrando nosso time, travando todo mundo. Ele não só anulou um gol legitimo como sufocou o time do Cruzeiro. O Armando era um cara muito inteligente , muito bom  juiz só que não fazia as coisas para o bem. Tecnicamente era bom só que fazia as coisas que interessava para ele.

Primeiro gol do Vasco com Ademir chutando cara a cara e  Vitor tentando fazer a defesa 
FTT - Você revendo o lance do segundo gol vascaino faria algo diferente hoje ou acha que levou azar ?
VITOR - Eu falhei no segundo gol. Foi meio que uma alto defesa. Eu havia me machucado no jogo anterior e ralei minha coxa de cima em baixo. Para você ter ideia tive de voltar de calçaõ no avião tamanho foi o ferimento. O gramado do Morumbi naquela epoca não era como hoje em dia. Parecia uma quadra de cimento, duro e seco.Eu ralei numa saida nos pés do Brecha e noutra jogada nos pés do Pelé.Chegou a vespera do jogo e o Ilton Chaves me disse que eu é quem iria decidir se dava para jogar. Fui para o jogo pois não queria perder aquela chance mas sem totais condições.

FTT - Você lembrou do gol anulado e falou do Andrada. Outro grande goleiro.
VITOR - O Andrada foi um cara que inovou com aquela devolução rapida dando uma chicotada na bola e não aquele costumeiro balão. Hoje você ve o Rogerio Ceni fazendo muito isto e puxando aquele contra ataque.Andrada é o precursor. É a escola Andradiana. Ele era um goleiro que tinha algumas firulas, tinha aquela mania de quando caia rolava pra lá pra cá, outras parecia estar desmaiado mas tecnicamente ele era muito bom. Se fizessem uma seleção deste jogo Cruzeiro e Vasco entrariam do time deles apenas o Andrada e o Roberto Dinamite.

FTT - E você?
VITOR - Não, Andrada era superior a mim. Era muito bom goleiro.

FTT - O que dizer do Roberto Dinamite?
VITOR - O Roberto foi fantastico. Ele não tinha aquele deslumbre dentro da  area que aliás,  o maior que eu vi neste quesito se chama Reinaldo. Nem Pelé superou o Reinaldo dentro da area. Porem o Roberto chutava muito bem e se posicionava sempre no lugar certo. Artilheiro nato.

Darci Menezes teve muito trabalho com Roberto Dinamite na final do Brasileiro de 1974.

FTT - Você disse que apenas cinco dias após a final O Cruzeiro viajaria para amistosos nos Estados Unidos. O primeiro deles foi contra o Benfica muito forte na epoca.
Vitor - Foi um espetaculo este jogo. Uma partida onde o Benfica começou estraçalhando o Cruzeiro e fez 3x0 em 15 minutos de jogo. Nosso time estava atordoado e perdido em campo. Aos poucos foi equilibrando e se não me engando fizemos um gol e terminamos o primeiro tempo perdendo por 3x1. (Na verdade foi 3x2, Zé Carlos e Roberto Batata ) . No intervalo eu falei com o Ilton chaves para colocar quem realmente estava bem e com vontade de jogar. O time então cresceu e o jogo era lá e cá.Tinham os antigos craques do Benfica como o Eusebio, Humberto, Simões e novatos como o Nenê e Jordão.

FTT - Pelo que vejo você era um jogador que não gostava de perder.?
VITOR - É verdade. Sou um cara que brigava , mas sempre fui jogador de fechar com o grupo e não aceitava jogador fazendo corpo mole. Ocara começava a sair pra balada eu chamava o cara e falava com ele junto do grupo. Nunca levava pra imprensa e resolviamos ali. dizia que ele estaria nos prejudicando . Outra coisa: se era para discutir premio, discutiamos mas eu não aceitava jogador fazer corpo mole. Eu preferia ganhar 10 mil reais e ser campeão do que ganhar um milhão e perder o titulo. Quando eu entrava no campo eu queria ganhar, queria matar. Eu acho muito certo o jogador reinvindicar um melhor premio, um mlehor salario mas na hora de entrar em campo eu não aceitava o cara pensar apenas nele. Tinha o clube ali representadoe toda uma nação.Para você ter ideia eu jofuei dois anos no Santos e ganhei uma placa escrita: Simbolo da raça santista." Isto me marcou muito pois eu queria morrer mas não queria perder.Então as vezes acontece que o jogador se chateia por uma bobagem ou as vezes nem é bobagem, é um direito dele mas eu acho que se entrou em campo ele tem de esquecer aquilo ou então não entra.


Eusebio e Vitor em partida amistosa disputada nos Estados Unidos - Benfica 5x3 Cruzeiro
FTT - Porque acabou saindo do Cruzeiro?
VITOR - O Raul já tinha voltado a algum tempo e era o titular. Eu na reserva até que no final de 77 entrando em 78 o Cruzeiro fez uma reformulação. trouxeram o Ze Duarte tecnico da Ponte Preta e ele trouxe o Luiz Antonio, por sinal um belo goleiro. O Raul saiu para o Flamengo e apareceu então o convite do Santos através do Formiga. O Ze Duarte começou então a desmontar o time do Cruzeiro. O Piazza acabou resolvendo parar, dispensou o Ze Carlos que acabou sendo campeão brasileiro no Guarani e eu fui para o Santos.

VITOR E O SURGIMENTO DOS MENINOS DA VILA

FTT - Você  foi então fazer parte dos Meninos da Vila.
VITOR - Fui mas na epoca dava até para assustar. O Santos estava sem credito, tinha uma estrutura muito ruim e meio que desmantelado.  A diretoria nova então trouxe o Formiga que foi muito inteligente e resgatou o Clodoaldo que estava meio brigado e colocou o como lider assim como o Ailton Lira. Trouxeram de uma vez só do São Paulo os dois laterais que estavam brigados lá: Gilberto e Nelsinho e tinhamos uma zaga forte com Joãozinho que era irmão do Bezerra mais tecnico e o Neto batendo até na alma. Então a gente segurava ali atrás , principalmente nos jogos no interior e deixava a meninada liberada lá na frente.


FTT - Quem te impressionava dos jogadores deste time?
VITOR - O Clodoaldo pela sua experiencia pela tranquilidade em campo. Agora um time que tinha um meio de campo com Clodoaldo, Ailton Lira e Pita e Juary mais a frente não er brincadeira. Tinhamos ainda dois pontas tão bonas que alem de chegar na linha de fundo e cruzar eles ajudavam e voltavam pra buscar bola no meio e partiam com ela. Mas o esteio mesmo , a sustentação deste time era o Clodoaldo, Ailton Lira, Pita e Juary.






FTT - O grupo era muito forte. Tinham varios que entravam como Ze carlos, Toninho Oliveira, Rubens Feijão e Claudinho.
VITOR - Era. O Claudinho por exemplo era muito bom tambem. Tinha uma tecnica refinada só que não era jogador pra pancada. Muitas vezes nos jogos do interior ele dava uma sumida mas era um grande jogador.

FTT - Comparando os meninos da Vila de 78 com os atuais como ficaria sua seleção?

Vitor - Fabio Costa
Gilberto - Maurinho = Gilberto
Neto - Alex = Alex
Joãozinho - Andre Luiz = Joãozinho
Nelsinho - Leo = Empatado. Só acho que Nelsinho foi muito importante pela experinecia.
Clodoaldo - Paulo Almeida = Não dá para comparar.(Clodoaldo)
Ailton lira - Renato = Lira
Pita - Diego = Briga boa. Vou olhar pelo conjunto do que aconteceu depois. E olhando assim fico com o Pita. O Diego não se manteve em evidencia.
Nilton Batata - Robinho = Aí é Robinho indescutivel.
Juary - Alberto = Juary
João Paulo - Elano = Posições diferentes mas os dois se equivaliam. O João Paulo foi muito bom mas o Elano jogou muito tambem.


FTT - E a final contra o São Paulo?
VITOR - O São Paulo tinha um senhor time, muito bom. Eu não joguei porque dois jogos antes eu me machuquei em um lance com o Socrates. Jogou o Flavio. No lance final nós perdemos por 1x0 e fomos  para a prorrogação. Se empatassemos na prorrrogação o titulo era nosso. Eu neste jogo fui comentarista da rede Bandeirantes e estava com a perna engessada.No finzinho eu fui para a beirada do campo  e fiuei escondidinho e não queriam deixar eu entrar por causa do gesso e da perna. Eu entrei , me escondi atrás de uma placa e fiquei vibrando feito louco. Ahh não conseguia mais ficar lá em cima.Eu tinha que star ali naquela hora.

Juary disputa a bola com o goleiro tricolor, Valdir Peres. Juary terminou o campeonato como artilheiro.


FTT - E o que dizer sobre os jogadores do Santos de hoje em dia. Meninos da Vila geração 3, Como por exemplo Pita x Ganso?
VITOR - Briga boa mas fico com o Pita.Mas sabe o que é, o Neymar é tão diferenciado, tem jogado tanta bola que impressiona. Pode até ser que ele não va conseguir grandes titulos no futuro mas a habilidade dele, a objetividade e velocidade com que ele parte para o gol. Eu ainda peguei uma epoca em que o grande jogador tinha mais espaço para driblar, podia fazer estas firulas. Hoje não. os caras chegam juntos e o Neymar consegue ter um arsenal de dribles diferentes. Necessita apenas ter um capitão exigente ao seu lado que lhe cobre em certas horas.o Neymar é o jogador mais tecnico que eu conheci em minha carreira juntamente com o Reinaldo. O repertorio dele é inesgotavel.



FTT - O que faltou ao Santos para chegar as finais naquele brasileiro de 78?
VITOR - A falta de estrutura do Santos. O clube desmanchou aquele time quase que de imediato, não sobrou ninguem. Tres anos depois montou outro belissimo time com Serginho, Rodolfo Rodriguez, Ze Sergio mas este time de 78 foi mesmo por falta de estrutura. Quando eu cheguei lá o time estava todo travado, sem credito. Quando eu ia sair do Cruzeiro o pessoal em BH falava: mas você vai pro Santos? O time lá acabou. Eu disse: acabou como ? Aquilo é uma nação, tradição, o time de Pelé, Coutinho, Zito e cia.Na região do ABC que tem muito nordestino eu vi a quantidade de torcedores santistas que moravam ali. Não tinha como acabar com uma historia.

A VOLTA AO CRUZEIRO EM UM PERIODO MUITO DIFICIL - ANOS 80




FTT - Você então retorna ao Cruzeiro e ve o time numa fila de 6 anos sem ganhar o mineiro. Bem diferente de quando você saiu nos anos 70.
VITOR - É. Aquele time dos anos 70 já não existia mais e quando voltei em 83 o time passava por momentos ruins.

Cruzeiro 1983 - Alves, Douglas, Osires, Orlando, Vitor e Ailton; Agachados: Paulo Borges, Palhinha, Mauro, Tostão e Joãozinho

FTT - Chega 84 e voces quebram a hegemonia do Atletico.
VITOR - Em 1984 o Cruzeiro conseguiu montar um time eficiente que mesclava juventude com experiencia pois o time trouxe de volta o Palhinha e o Joãozinho e o zagueiro Ailton do Sport. Tinha um um jogadorzaço que era o Douglas. Jovem e  foi um dos melhores que vi naquela posição


FTT - Neste time tinha um jogador com nome de craque: Tostão. Era um bom jogador tambem?
VITOR - Foi genial. Fizemos uma partida contra o Mixto de Cuiabá e perdemos de 4 (4x2) e o Tostão fez 3 gols. Acabou com o nosso time. Os dirigentes então o compraram. Mas o Tostão era cracaço, jogava muito mesmo.
Cruzeiro 1984 - Em pé a partir da esq. Vitor , Ailton , Ademar, Zezinho Figueroa, Carlos Alberto e Luiz Cosme. Agachados: Carlinhos, Carlos Alberto Seixas, Eduardo, Tostão e Joãozinho.


VITOR BRAGA - MARCHAND  

FTT - Quando foi que você começou a se interessar por quadros e artes em geral?
VITOR - Papai era pintor de quadros. Ele pintava desde a epoca de 40. Então fui criado dentro de atelier. Foi então a partir de 76 que comecei a me envolver mais e quando fui jogar no Santos, deixei minha galeria aberta. Começou a dar certo, voltei a jogar aqui novamente e aí não parei mais.

FTT - Qual o quadro mais valioso que você vendeu em sua galeria?
VITOR - Nós já vendemos quatro portas do Guignard por 1 milhão de dolares.

FTT - O que é porta?
VITOR - São pinturas feitas em portas como portas de armarios. Porem estas coisas não vem mais, muito raro aparecer algo assim.Tem muita coisa boa no catalogo mas estas coisas assim não aparecem mais. E quando aparece dificilmente vem parar nas nossas mãos pois ficam no mercado de Rio e São Paulo.

Vitor em sua galeria . Hoje muito conhecida em Belo horizonte chamada Vitor Braga.

Bruno e Vitor entre inumeros quadros maravilhosos na Galeria Vitor Braga.


FTT - E entre os pintores mineiros quem você destacaria nacionalmente?
VITOR  - Nós já tivemos grandes pintores aqui e muitos acabaram esquecidos. Nós tivemos inclusive um genio aqui chamado  Genesco Murta  e que morou com Modigliani em Paris. Este cara foi um genio, genio mesmo. Tinha uma pintura extraordinaria, uma beleza. Porem eu acho que a poesia maior da arte brasileira, a alma pura que passava para a tela,  um artista puro e poetico e acho que dificilmente termos outro igual se chama Alberto da Veiga GUIGNARD. Jamais apareceu um cara parecido com ele, jamais. Um genio.Quando todos pintavam o belo ele pintava o feio. O maior de todos.



O FUTEBOL E A  ARTE

FTT - Você que é tão entendido em artes , daria para fazer um paralelo do time do Cruzeiro com algum pintor ?
VITOR - Aquele primeiro time do Cruzeiro (anos 60) tinham varios craques fora da media. Dirceu Lopes por exemplo dava um corte no zagueiro a quase 20 metros de distancia e derrubava o cara. Era o time da inteligencia , da genialidade e falando em genialidade.....(Vitor fica pensativo e extasiado), tinha tanto genio na epoca e um bem ousado , assim como aquele time do Cruzeiro, porque aquele time tinha ousadia. Podia levar dois gols mas fazia quatro. O time jogava pra frente, pra vencer, tinha encantamento na sua forma de jogar. Então você  pega um artista que brilha aos olhos pela cor, pela luminosidade e que estava a frente do seu tempo , inovador e este seria. Van Gogh. Um artista que sofreu no seu tempo pela sua ousadia. Penou por buscar tanta luz, por ser tão ousado na epoca, pois o que se viam eram aquelas coisas tradicionais, academicas. Seria então o Van Gogh pela luminosidade e ousadia.




FTT - Quais foram os maiores zagueiros que você teve jogando ao seu lado ou contra?
VITOR - Tecnicamente dificilmente alguem vai superar o Perfumo. Porem não era o jogador que eu queria para o meu time. Talvez eu comprasse até um jogador com menos qualidade tecnica e mais viril mas que fosse mais importante na decisão e que não fosse tão frio. Perfumo jogava muito bonito tanto é que foi eleito na seleção da Fifa. Só por isto dá pra se ter uma ideia da importancia dele. Eu tenho profunda admiração e o conheço bem mas no Perfumo faltava aquela coisa de grupo , de um pouco mais de  determinação . Luis Pereira foi o mais completo. Figueroa era muito bom tambem apesar de um pouco viril. Mas eu preferia um zagueiro com a metade do futebol do Figueroa do que um clássico como o Perfumo. Figueroa era um guerreiro, se doava ao time. Eu costumava gritar muito para orientar meus companheiros e gosto de zagueiros que falam e vibram tambem.

FTT - Quais foram os 7 maiores atacantes que você enfrentou ou que jogaram ao seu lado?
VITOR - Pelé, claro. Reinaldo, Jairzinho. Roberto Dinamite, Zico, Dario um jogador muito eficiente, Dirceu Lopes, Palhinha. Palhinha era muito bom. Era menos genial do que Reinaldo mas era mais agudo, mais decidido e tinha muito boa tecnica tambem.


FTT - A escola de goleiros argentina e uruguaia sempre foi famosa. Você acha que hoje o Brasil tem melhores goleiros do que eles? Os nossos goleiros evoluiram?
VITOR - O que acontece é que hoje os goleiros tem uma estrutura bem melhor. Tem um preparador só para eles e na minha epoca não. A gente treinava sozinho e hoje eles tem um treinamento especializado e muito bem feito. Antigamente era tudo mais dificil, desde a luva ao material de treino. Hoje temos excelentes goleiros mas antigamente tambem tinhamos. Varios em condição de servir a seleção.

sábado, 24 de setembro de 2011

domingo, 18 de setembro de 2011

Encontros eternizados - DIRCEU LOPES, PAULO CESAR e VAGUINHO

Seleção Brasileira de 1971 . Após a conquista do tricampeonato no Mexico, Zagallo convocava outros jogadores . A safra da epoca dava para formar tres grandes seleções.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

O craque disse e eu anotei - ZÉ MARIA

Através da Regina (esposa do Zé Maria) pude entrar em contato com o maior lateral-direito da história do Corinthians. Fui muito bem recebido pelo Super Zé, uma pessoa extremamente simpática, que conversou comigo de forma agradável, como se nos conhecêssemos a muito tempo. Sua história é contada de forma emocionada, valorizando ainda mais o grande jogador que foi. Confiram a matéria.

FUTEBOL DE TODOS OS TEMPOS: Você nasceu na cidade de Botucatu em 1949.
ZÉ MARIA: Interior de São Paulo, onde tive o prazer de começar nas Categorias de Base da Ferroviária de Botucatu, em 1963. No ano de 66 subi para os Profissionais e no final deste ano vim pra Portuguesa de Desportos.

FTT:  Na época de criança, você que é filho de pai corintiano, o Sr. Durvalino, já existia uma influência daquele Corinthians dos anos 50, com Cláudio, Luizinho, Baltazar e Gilmar?
ZÉ MARIA: Com certeza, me lembro das revistas da Gazeta Esportiva que meu pai mostrava, no interiorzão ouvia muito radio e a influência foi justamente desta forma, nós nascíamos e meu pai punha o símbolo do Corinthians na frente para que pudéssemos aprender a gostar e a torcer. Foi um início pra mim muito agradável, não esperava ser um jogador de futebol, mas a influência corintiana veio desde criança.

FTT: Como você mesmo disse, jogou na Ferroviária de Botucatu e, se não me engano, jogou antes no Lajeado.
ZÉ MARIA: Eu nasci numa fazenda, conhecida como Experimental do Café de Lajeado. Passei a minha infância até os 13 anos, quando tive a oportunidade de ir pra cidade, onde fui estudar como Técnico Industrial por quatro anos. Interior e cidade, onde tive uma formação muito agradável, a educação foi prioritária, somos uma família de seis irmãos, sendo que três deles foram jogadores de futebol, como o ponta-esquerda Tuta que jogou na Ponte Preta, o Gil e o Marco Antônio, sendo que o último teve o prazer de jogar no Corinthians, além do Tuta que também se iniciou no clube quando era Juvenil.
Ze Maria e o irmão Tuta antes de um confronto entre Corinthians x Ponte Preta

FTT: Nesta época de Botucatu já jogava como lateral-direito?
ZÉ MARIA: Não. Eu era metido a ser atacante. Na época o jogador de futebol tinha que fazer gol pra aparecer. Fui descoberto como lateral-direito na Ferroviária de Botucatu nas Categorias Infantis numa brincadeira, faltou um jogador e o Tissão, que era o treinador, me colocou na lateral pra quebrar um galho, pois havia muitos atacantes e praticamente foi o meu início, dali não saí mais, disputei três Campeonatos Infantis, participei no último ano como Juvenil, sagrando-se campeão e, no mesmo ano, fui Amador, disputando o campeonato da cidade. Minha carreira foi muito rápida nas categorias, disputei um ano na Primeira Divisão pela Ferroviária e, no final do ano, a Portuguesa se interessou, pois soube de um neguinho de cabeça raspada que jogava pela Ferroviária num jogo em Jundiaí contra o Paulista, fizeram o convite pra mim treinar, vim com mais dois jogadores, o Nardinho e o Corvino, fiz um contrato de três meses e voltaria em janeiro pra complementá-lo. Quando voltei, o Augusto teve problemas, pra você ver como eu tive muita sorte na minha carreira, pois era o lateral-direito, também jogou no Corinthians, com o técnico Wilson Francisco Alves dizendo que “teria que lançar esse neguinho de qualquer jeito”, com a Portuguesa se interessando por mim, indo a Botucatu me comprar, tornando-me o lateral-direito do time e, graças a Deus, não saí mais.
PORTUGUESA 1969 - Em pé: Guaraci, Paes, Zé Maria, Marinho Peres, Orlando Gato Preto e Américo. Agachados: Valdomiro, Basílio, Leivinha, Lorico e Rodrigues
FTT: Como foi a sua passagem pela Portuguesa de Desportos, onde jogou por três anos?
ZÉ MARIA: Joguei praticamente três anos e meio, tive um problema no final, quando o meu pai, como grande corintiano, nesse momento muito difícil do Corinthians, na época do acidente do Lidu e Eduardo, com o clube se interessando por um lateral-direito. Como eu tinha contrato com a Portuguesa de Desportos, não pude ir. Quem veio foi o Miranda. Logo depois dissera, que interesse no meu passe. Como meu pai cuidava das minhas transações, falou que eu tinha contrato com a Portuguesa e não havia como eu ir. O contrato terminou, meu pai tinha com o clube um compromisso pessoal e verbal, que se surgisse uma oportunidade, a Portuguesa abriria mão. Aí o meu pai começou a briga, pra eu vestir a camisa do Corinthians, dizendo que “se não saísse agora, não sairia mais”. Ainda esperei um ano, pois foi em 1969. Em 70 eu fui pra Seleção Brasileira e, quando voltei, a negociação estava bem adiantada, não houve a renovação com a Portuguesa, acabei depois de um período indo para o Corinthians, o que foi a realização pessoal do meu pai e de mim também como corintiano. Quando jogávamos contra o Corinthians, queríamos mostrar pra ter oportunidade de jogar lá, atuando como um leão. Depois tive a sorte de ficar treze anos, que foi uma honra e glória muito grande pra mim.

FTT: Quando você começou a jogar futebol como lateral-direito, na época haviam dois grandes jogadores nesta posição que jogavam, por coincidência, no futebol paulista, sendo muitas vezes escolhidos na Seleção Brasileira de todos os tempos, que é o Djalma Santos (Palmeiras) e o Carlos Alberto Torres (Santos). Eles tiveram alguma influência na sua carreira?
ZÉ MARIA: Bastante, principalmente o Djalma Santos. Na época de Botucatu víamos os jogos em VT (vídeo tape), com o Djalma sendo um dos jogadores que observava bastante. Tive a grande honra de participar da despedida dele da Seleção Brasileira, em 1968, quando fui convocado pelo técnico Aymoré Moreira e era o terceiro lateral-direito. Pela categoria , da forma como marcava, me influenciou bastante e considerava-o um lateral perfeito, principalmente na marcação. Depois tive a felicidade na Seleção de ver o Carlos Alberto Torres, a experiência que passou pra mim foi muito importante. Os dois me deram muita tranquilidade pra poder continuar a minha carreira.

Zé Maria é o segundo sentado a partir da esuerda logo aao lado de Edu.


FTT: O Djalma Santos te influenciou mais na parte defensiva e o Carlos Alberto Torres na ofensividade?
ZÉ MARIA: Na verdade o Carlos Alberto Torres, em 70, já estava modernizando, pois também marcava muito bem, passando com facilidade pelo meio de campo. Pra mim foi um aprendizado muito bom, pegando a experiência da colocação do Djalma e a habilidade do Carlos Alberto pra frente, apesar de que eu não era um jogador que ia muito pra direção do gol, marcava mais e procurava fazer jogadas na linha de fundo para os atacantes, mas, mesmo assim, acabei fazendo alguns golzinhos.

FTT: Falando de 1970, Copa do Mundo daquele ano, aquela grande Seleção Brasileira que o Brasil montou, com você não jogando nenhum jogo. Qual foi a sua sensação de estar presente neste grande evento que é uma Copa e vendo o Carlos Alberto Torres jogando, por sinal, muito bem?
ZÉ MARIA: A Copa do Mundo de 1970 foi o início praticamente, tive a oportunidade de conhecer grandes jogadores da época e era uma das melhores seleções. Foi uma experiência muito grande, as orientações que eles nos passavam, a maneira de comportamento, influenciando na sequência da minha carreira, principalmente na experiência. Sou muito grato, porque eles chamavam a atenção dos meninos, pois haviam vários jogadores com idade de 20 anos, como o Edu, Leão, Marco Antônio e eu. Foram jogadores bastante influenciados por eles, na dedicação ao trabalho e a forma como eles levantaram aquele caneco, que foi uma experiência maravilhosa.

FTT: Depois da brilhante conquista de 70, vocês retornaram ao Brasil e, como já havia comentado, contratado pelo Sport Club Corinthians Paulista, que era o seu sonho e do seu saudoso pai, o Sr. Durvalino. Qual foi a sensação inicial de jogar no Corinthians, Zé Maria?
ZÉ MARIA: A princípio foi um sofrimento, porque voltei da Copa, estava aquela briga de renovar ou não com a Portuguesa de Desportos e acabei voltando pra Botucatu, ficando três meses treinando na Ferroviária, esperando um retorno do meu velho. Um dia o meu pai me ligou, pedindo pra mim voltar à São Paulo, pois parecia que a situação havia se tranquilizado, a contratação estava bem adiantada, ele foi taxativo dizendo que “não jogaria mais na Portuguesa”, falando que “se eu não fosse para o Corinthians, voltaria a ser torneiro mecânico”. Felizmente as coisas se caminharam de forma bastante satisfatória. Na época o presidente Wadih Helu e seus diretores tinham um interesse muito grande, minha força e vontade eram ainda maiores de poder vestir a camisa do Corinthians, com a coisa acabando acontecendo. No final de setembro concretizou-se a contratação. No início de novembro estreei contra o Grêmio em Porto Alegre, perdendo por 1 a 0. Foi uma decepção à princípio, pois saí com pouco tempo de treinamento e acabamos perdendo. Pensei que “será que serei o que muitos falam, que’ jogador que vem para o Corinthians’, acaba morrendo”. Graças a Deus foi o contrário, me encaixei dentro da massa, pela minha forma de jogar, com garra. Dali pra frente as coisas foram maravilhosas.
CORINTHIANS 1971 - Em pé: Zé Maria, Luís Carlos, Benê, Tião, Ditão e Ado. Agachados: Pedrinho, Lindóia, Paulo Borges, Rivelino e Aladim.


FTT: Acho que o seu primeiro grande momento no Corinthians foi naquele famoso jogo contra o Palmeiras, os 4 a 3 em 1971.
ZÉ MARIA: Aquele jogo marcou mesmo, houve muita disposição do time, perdendo por 2 a 0 no primeiro tempo, voltando com gols do Tião, Mirandinha e Adãozinho. Foi uma partida que ficou marcada na minha história e do Corinthians também, uma virada maravilhosa. Temos que ter um lado de prazer e não somente desgraça (risos).

FTT: Foi uma época difícil para o Corinthians, estava muitos anos sem ganhar um título importante. Citei o Palmeiras, que tinha o Nei na ponta-esquerda, um grande adversário.
ZÉ MARIA: Na época havia grandes pontas-esquerdas, o futebol brasileiro era muito rico, não somente nos grandes clubes, mas também nas equipes do interior, sendo que a maioria deles tinham jogadores muito bons nesta posição. Eram muito habilidosos e inteligentes, como o Nei (Palmeiras), Edu (Santos), Paraná (São Paulo), Wilsinho (Portuguesa), Bozó (Guarani), Abel (que revezava com o Edu). Era muito difícil, foi uma geração de grandes pontas.

Zé Maria sempre forte na marcação no duelo com Wilsinho da Portuguesa de Desportos


FTT: Você tinha mais dificuldade de marcar pontas habilidosos como o Joãozinho (Cruzeiro) e o Zé Sérgio (São Paulo) que iam pra cima ou os que entravam pelo meio como o Mário Sérgio, Paulo César Caju e o Dirceu?
ZÉ MARIA: Todos eram difíceis, grandes jogadores, marcaram muito, habilidosos e fintavam bastante. Mas eu sempre me dei bem. Tive muita dificuldade, na verdade, com o Edu, pela inteligência, ia à linha de fundo e não fazia firula, jogava bem objetivo, sendo que outros voltavam e driblavam. O Nei, por exemplo, dava muito espaço. Foram jogos difíceis, me ajudando muito, fazendo com que eu pudesse ser convocado à Seleção Brasileira nos anos de 1974, 77 e 78, em função de ter feito um bom trabalho marcando esse pessoal.

FTT: Antes da Copa do Mundo de 1974, você já vinha de uma sequência de partidas pela Seleção Brasileira, tanto que depois de 70 ganhou a Copa Roca no ano seguinte e a famosa Taça Independência de 72. Acho que em 74, em questão de disputar uma Copa, tenha sido o seu ápice na Seleção.
ZÉ MARIA: Eu praticamente dei muita sorte, desde 1968, participei das Eliminatórias em 69, no ano seguinte fui reserva do Carlos Alberto Torres, em 72 joguei a Copa Independência e na Copa do Mundo da Alemanha foi a grande oportunidade, fizemos a excursão no ano anterior e me firmei como lateral-direito titular. Infelizmente em 74 o resultado não foi aquilo que esperávamos, chegando até as semifinais, mas tratou-se de uma experiência definitiva, participando dos jogos, sentindo a força das partidas numa Seleção Brasileira, sendo muito importante pra mim, agradável ao extremo, tínhamos uma equipe muito boa e minha participação também foi.

FTT: Por sinal vocês perderam justamente para aquele que era considerada a melhor equipe da Copa, a Holanda de Cruyff e Neeskens.
ZÉ MARIA: Na verdade foi uma Copa bastante irregular. A nossa Seleção era muito boa e neste jogo contra a Holanda acabamos saindo da final, que seria contra a Alemanha Ocidental. Foi aquele jogo que não acreditamos, pois tínhamos um potencial muito forte, tivemos grandes oportunidades de definir no primeiro tempo, com a Holanda acreditando muito mais, achando que o futebol brasileiro não era tudo aquilo, fazendo dois gols meio espíritas depois da expulsão do Luís Pereira. Não foi uma decepção, pois acho que tivemos uma participação bastante razoável.

FTT: Nesta Copa, a princípio, você disputava a posição com o Nelinho. Ele foi o titular em1978 e você não foi por causa de uma contusão. Havia alguma rivalidade entre vocês dois?
ZÉ MARIA: Não, pelo contrário, aprendi muito em 1970 com o Carlos Alberto Torres, mas quem não quer ir pra Seleção Brasileira e participar de um jogo? O grande exemplo de 70 foi dos próprios jogadores, a participação e união que havia, uma Seleção em que os atletas que estavam na reserva, acabavam torcendo para não acontecesse nada ao que estava jogando, de tanto que era a harmonia e amizade que existia. Levei isso também pra 74, com o Nelinho e eu disputando a posição em igualdade de condições, pois ele era um grande jogador, tanto que jogou os três primeiros jogos, porque tive uma lesão e voltei contra a Alemanha Oriental. Nós torcíamos um pelo outro e foi muito gratificante. Em 78 tive uma lesão no joelho, acabei sendo cortado às vésperas da viagem à Argentina, tanto que o Nelinho se apresentou no último jogo antes de ir pra lá. O Toninho e eu éramos os laterais-direitos. Eu vinha de uma fase muito boa, mas infelizmente a contusão me tirou daquela Copa.


FTT: O Nelinho, por sinal, fez uma bela Copa em 1978.
ZÉ MARIA: Era um grande jogador. Eu tinha medo de perder a posição por causa de alguma contusão nas competições, pois tinha certeza que, se ele entrasse, seria muito difícil reconquistar a posição, porque o Nelinho era um jogador versátil, vindo da evolução do futebol moderno, tinha muita facilidade pra bater na bola e ia com mais facilidade para o ataque, pois era um lateral-direito que ameaçava muito.

FTT: Após a Copa do Mundo de 1974, você retorna ao Corinthians. Talvez, nessa fila, tenha sido a maior oportunidade do clube ser campeão, disputando a final do Campeonato Paulista contra a Sociedade Esportiva Palmeiras, com 120 mil pessoas no Morumbi, sendo que 100 mil era corintianos, com o Rivellino, o grande jogador da época, sendo injustamente afastado do time por não conquistar o título. Vocês achavam que poderiam ganhar? O que aconteceu antes e depois da final de 74?
ZÉ MARIA: Essa é a história mais decepcionante da minha vida profissional, tanto que nem gosto de recordar pela circunstância que foi, a ansiedade e a expectativa que se criaram naquela final e acabou não levando aquele campeonato. É duro justificar o que não ganhamos, mas acho que foi muito mais pelo lado emocional. Aquela saída que fizemos para Água de Lindóia pra aguardar a grande decisão tirou aquela ligação da torcida conosco e acabamos nos dando mal. Foi uma das piores derrotas que tive na minha vida, não podendo dar um título ao Corinthians, que era algo tão almejado.

FTT: Começa 1975, com o Corinthians tentando se refazer deste título não ganho. Chega 76 e no Campeonato Brasileiro aconteceu um histórico jogo, que foi o da invasão no dia 05 de dezembro daquele ano, com o Corinthians há tanto tempo não ganhando, mas mesmo assim a torcida não parou de crescer, invadindo o estádio do Maracanã, com você, por sinal, fazendo o gol da vitória nas disputas por pênaltis. O que foi 1976 pra você, Zé Maria?
ZÉ MARIA: Foi uma das façanhas históricas do Corinthians e do futebol brasileiro, tanto que até hoje quando vou para o Rio de Janeiro e me encontro com algum ex-companheiro, como o Paulo César Caju e o Jairzinho, eles falam que, como em 1976, nunca mais. Acho que foi a única invasão que teve no Brasil de torcida no campo adversário. Criou-se uma expectativa em torno daquele jogo, porque poderíamos ir pra final. Acho que o Vicente Matheus foi muito inteligente naquela briga que teve com o Francisco Horta pela televisão e pelo radio. O Horta dizia que a Dutra seria a Rodovia das Lágrimas e o Matheus falou que seria das Flores, com aquelas tiradas dele. Mas foi um negócio sensacional, acabamos vendo depois através da televisão e documentários, porque estávamos concentrados, que fizeram algo extraordinário. Não invadiram somente o estádio do Maracanã, mas também o Rio de Janeiro, suas praias e o hotel que estávamos hospedados, sendo que aí percebemos que teriam muitos torcedores corintianos quando descemos para o almoço, pois havia uma galera jamais vista. Houve a participação de outras torcidas, com flamenguistas e vascaínos ajudando bastante, mas foram mais de 70 mil corintianos. Algo formidável.

FTT: É até interessante você comentar isso, porque as vezes existem comentários dizendo que a invasão da torcida não aconteceu, que não foram tantos corintianos para o Rio de Janeiro, que a maioria era de torcedores do Flamengo, Vasco e Botafogo, engordando a Fiel Torcida. O que você pensa disso?
ZÉ MARIA: Eu acredito que havia muitos torcedores de outras equipes que queriam ver a derrota do Fluminense. Mas a massa que saiu de São Paulo e de todo o Brasil praticamente, foi um negócio impressionante, porque víamos carros de todos os lugares após a saída do estádio, placas de várias cidades do interior. Houve sim a participação de outros torcedores, mas a grande torcida era a corintiana, de pessoas que vieram também de fora pra ver aquele jogo, que foi um marco, com vinte e tantos anos sem ganhar um título importante, ganhando do Fluminense no Rio de Janeiro pra depois decidir com o Internacional. Foi uma invasão indescritível.

FTT: E a derrota para o Internacional foi tão dolorida como em 1974 contra o Palmeiras?
ZÉ MARIA: Talvez nem tanto, porque contra o Palmeiras a expectativa era muito maior. O Internacional se precaveu, sabendo o que tinha acontecido no Rio de Janeiro, criaram problemas, sabendo à noite no hotel com aquela guerra de torcida. Mas o resultado em si não foi tão insatisfeito pra nós, porque sabíamos que eles tinham um grande time, jogavam em casa e era somente um jogo, deviam ganhar e foi o que aconteceu, acabamos tomando um gol numa bobeira nossa, em um vacilo de uma bola parada, com o Dario fazendo o gol de cabeça. Depois teve aquele gol que a bola acabou batendo na trave e entrou, com nós tentando fazer uma situação para o juiz mudar. Infelizmente o Inter foi superior.

FTT: 1977 começando e mais uma vez a torcida corintiana esperando para, quem sabe, ganhar este título que desde 1954 não consegue. O Corinthians começou disputando a sua primeira Libertadora da América, que não tinha na época o mesmo valor de hoje. Chega também uma pessoa muito importante na história do clube, que é o técnico Oswaldo Brandão. Não farei perguntas, mas apenas perguntarei o que foi 77 pra você, Zé Maria?
ZÉ MARIA: Foi uma sequência de 1976, vínhamos daquele Campeonato Brasileiro que não conquistamos, tivemos uma participação meio que tenebrosa na Libertadores e, quando o Oswaldo Brandão chegou, tornou-se praticamente o nosso pai, moralizou a equipe do Corinthians, a nível de também de direção, conseguindo fazer um trabalho coletivo, trazendo o Vicente Matheus pra si e junto com o professor Teixeira a o João Avelino, que era o seu assessor, conseguiu fazer com que chegássemos àquela final. Foi um campeonato muito difícil, quase saímos fora nas últimas partidas e depois sobrou a Ponte Preta. Aí foi algo indescritível pra quem participou, marcando muito a minha vida aquela conquista. Até hoje somos lembrados em função de 77, sendo importante a participação do Brandão, o seu espírito, a sabedoria do Matheus também e a vontade que o grupo tinha, não era um grande time, tecnicamente éramos inferiores à Ponte, mas era uma equipe de muito brio, com o Brandão trazendo a torcida pra nós. Acho que se tivessem mais jogos, jamais perderíamos o último. Tivemos o primeiro jogo e depois perdemos o segundo.

FTT: Nesta segunda partida havia mais de 150 mil pessoas no Morumbi.
ZÉ MARIA: Estava lotado. E teve o jogo final, que a superioridade do Corinthians na vontade, com a torcida empurrando, faríamos quantos jogos fossem precisos, mas não perderíamos pra Ponte Preta, porque o time estava com muita disposição, com o Brandão mentalizando a equipe, os espíritos todos que ele trouxe e na base da garra fizemos uma grande partida e felizmente o Pé-de-Anjo Basílio fez um gol que praticamente nos consagrou, tanto que a comemoração, vibração e o carinho que tivemos foram muito maiores que a chegada da Copa do Mundo de 1970, que eu estava no grupo e, por não ter jogado, não foi aquilo que eu esperava. Agora 77 foi um negócio estrondeante, marcou e marca até hoje, eu morro feliz porque participei desta conquista.

FTT: Por sinal o gol de Basílio começou contigo cobrando uma falta.
ZÉ MARIA: Foi uma felicidade ter saído pelo lado direito com a oportunidade de fazer um cruzamento, que era uma jogada que ensaiavam mais com o Vaguinho e o Geraldão, mas naquele bate e rebate, com o Wladimir também tendo oportunidade de fazer o gol, sobrando para o Basílio. Era o destino que ele faria o gol tendo uma felicidade e entrar pra história.

FTT: Você falou do Wladimir, que era o lateral-esquerdo do Corinthians, jogando muitas partidas contigo. O que falar dele?
ZÉ MARIA: O Wladimir ainda é um moleque, mais novo do que eu (risos), mas a sua humildade fez que chegasse onde chegou. É o jogador que mais jogou partidas pelo Corinthians, o vi começando quando o técnico Yustrich deu a oportunidade pra ele, sempre mantendo a regularidade desde quando começou a treinar até o final. Uma pessoa maravilhosa, mas acho que ele tem uma pequena decepção, de não poder participar de uma Copa do Mundo, pois pra mim foi um dos grandes laterais, sendo que o ala eu já não comparo tanto.

FTT: O Corinthians é campeão em 1977, tranquilidade no Parque São Jorge e no ano seguinte chega um jogador muito importante na sua história, que foi o Sócrates, chegando por sinal na época certa, pelo seu estilo de jogo e jeito de ser. Já em 79, mais uma final, novamente com a Ponte Preta, sendo que no primeiro dos três jogos aconteceu algo também marcante, pois parece que o seu supercílio estourou, deixando a sua camisa branca corintiana cheia de sangue e você foi ovacionado pela Fiel Torcida. O que significou isso pra você?
ZÉ MARIA: Depois de 1977 houve uma calmaria, saindo aquele peso e, com a vinda do Sócrates, entrosando-se com o Palhinha, chegando outros, o time ficou mais reforçado e tranquilo para as competições. Mas também foi um campeonato dificílimo, conseguindo a classificação em Ribeirão Preto num jogo de vida ou morte. Também foi uma partida que me marcou, pelo meu espírito, minha vontade de querer jogar, tive um acidente com o Juninho numa cabeçada e abrir o supercílio. O doutor Léo queria me tirar do jogo, porque achava que era impossível pra mim continuar, mas com aquela vontade que eu tinha, queria jogar. Fizeram um curativo e voltei pro jogo no segundo tempo, mas acabei não terminando. Saí com a camisa ensaguentada de fato, porque a vontade de conquistar mais um título e aí veio essa ovação por parte da torcida, algo tão gratificante que jamais esquecerei, com o reconhecimento e aplauso, mas enfim, ter tido aquilo por querer ganhar o jogo, participar da final e me sinto orgulhoso por poder sair de campo com a camisa cheia de sangue e tentando dar mais alguma coisa pra nossa equipe.

FTT: Década de 80 começando, Zé Maria é Campeão Paulista em 1979 pelo Corinthians, em breve encerraria a carreira, mas também passou por outra grande emoção no clube, porque em 82 surge o movimento da Democracia Corintiana, tendo como principais líderes o Sócrates e o Wladimir. Na época você não era o titular absoluto, pois havia chegado o Alfinete pra disputar a posição contigo. O que dizer deste outro grande momento da história do Corinthians?
ZÉ MARIA: Foi um momento histórico, inédito, com a postura que os jogadores tomaram, liderados pelo Sócrates e o Wladimir, que eram bastante dinâmicos e com a presença do Adílson Monteiro Alves, que também foi um dos grandes idealizadores da renovação da direção do Corinthians como diretor de futebol, trocaram idéias para avançar, surgindo o processo democrático, que veio junto ao nacional com o movimento das Diretas Já, acabamos sendo fortalecidos por este grupo e buscamos algumas reivindicações dentro do próprio clube. No primeiro momento não foi muito bem aceito pela forma como foi sendo colocada, mas depois os jogadores acabaram aderindo, achando que era um processo válido que mudaria a rotina do Corinthians e do próprio atleta, sendo que os questionamentos iniciais achavam que eram absurdos, mas depois viram que deram resultados. No início foi difícil, porque você não muda uma situação da hora pra outra, mas, com os resultados, conseguimos levar este processo adiante, as concentrações não foram banidas porque os jogadores se conscientizaram que era importante por responsabilidade e criamos alguns objetivos. Esse movimento foi muito bom pra deliberar situações, pois o jogador era praticamente um funcionário que entrava pelas portas do fundo e saía por lá. Com esse processo, a coisa se abriu, podemos conhecer melhor o clube e o conselho, com os diretores também abraçando a idéia, vindo junto o próprio torcedor. Tudo depende do resultado, mas foi um movimento bastante válido em todos os sentidos, com o processo continuando e os resultados vieram, sendo que infelizmente acabou quebrando, mesmo assim foi um avanço muito grande que teve no esporte brasileiro, começando com a Democracia Corintiana, que vemos hoje nos clubes e na Seleção Brasileira parte daquele movimento, como nas concentrações, da deliberação  de uma série de coisas que não podia. O jogador tem que ser responsável, acho que criou um processo de responsabilidade da qual foi entendida pelo treinador da época, o Mário Travaglini, as conversas eram bastante agradáveis, houve uma participação muito maior do jogador na dinâmica que o técnico fazia e também dentro do campo. Foram resultados maravilhosos que conseguimos.


FTT: Os resultados foram muito bons, não somente nas questões políticas, mas também nas sociais, com o Corinthians sendo Bicampeão Paulista em 1982/83. Neste último ano, no Campeonato Brasileiro, você foi escolhido pra ser técnico do time, através de uma votação, que era muito comum naquele elenco da época. Qual foi a sua experiência como treinador do Corinthians?
ZÉ MARIA: Foi uma experiência bastante válida, pois o jogador jamais pensa em ser treinador quando está jogando. A forma com eles me colocou como técnico foi gratificante, até pelo reconhecimento do meu comportamento, da minha postura e havia sido capitão do time durante vários anos. Enfim, é uma responsabilidade muito grande, senti isso na época, sabia que teria dificuldades, mas houve uma boa ajuda de todos eles para que pudéssemos fazer um final de campeonato muito bom. Pra mim foi um prêmio, pois foi o início do meu término de carreira, fui treinador e não poderia mais jogar, acabei tomando a decisão depois de encerar e, por mim, encerraria no Corinthians, mas eu tinha um compromisso com o meu velho de jogar em Limeira, fazendo alguns jogos pela Internacional em 1984/85, mas praticamente encerrou depois da minha participação como treinador.

FTT: Por sinal, depois da fase de treinador no Corinthians, jogou algumas partidas e tem uma frase sua muito famosa, acho que dita no seu jogo de despedida, dizendo que “estão tirando um pedaço de mim”.
ZÉ MARIA: Foi exatamente o que senti quando me deu aquele estado, eu estava no banco, entrei e falei que achava que era o meu último jogo. Decidi na hora, tanto que o pessoal falou que não era possível, sofri muito, fiquei dias e dias pensando que besteira tinha feito, sair daquela forma, mas achava que, se errasse ali, jamais jogaria em outro time. Pra mim foi alguma coisa que tirou e até hoje carrego um pouco disso, de poder ter ficado mais tempo jogando, mas dentro de mim sinto que continuo torcedor.
Zé Maria com uma  das duas Bolas de Prata conquistadas em 73 e 77 e Mauricio Sabará.


FTT: Encerrada a carreira, você buscou outras opções a vida, que foi ser vereador. Como foi essa nova experiência?
ZÉ MARIA: Foi praticamente uma consequência do processo democrático, com o Adílson, que era envolvido com o Caio Pompeu de Toledo, que era na época Secretário de Esportes, surgindo aí um convite pouco antes das eleições, filiaram-me pouco que meio contra a minha vontade, pois não tinha nada de político, mas era jogador de futebol e acabaram nos envolvendo. Com certeza foi a grande massa corintiana que me elegeu, pela minha forma de ser, sendo eleito vereador de São Paulo, uma experiência nova na minha vida, aprendi muito com os grandes políticos que lá existiam, como o Mário Covas e depois o Jânio Quadros, além de uma gleba de vereadores importantes, aprendendo também que ali não era o meu lugar, foi só um mandato e vi o outro lado do muro. Depois encerrei, acabei fazendo um trabalho social em escolinhas de esportes do Estado e hoje praticamente continuo trabalhando na mesma área, prestando serviços na Fundação Casa, a antiga FEBEM, faço supervisão e coordenação de esportes em todo o Estado de São Paulo, tentando dar uma oportunidade a esses jovens, mostrando um pouco da nossa experiência, que não se ganha na vida pela mão, tendo que ter muito trabalho e suor, dando umas palavras de boas maneiras, pois infelizmente pegaram o caminho errado.

FTT: Estamos praticamente encerrando a entrevista para o Blog Futebol de Todos os Tempos. Farei algumas perguntas em relação a alguns jogadores, sendo um da sua época e outro que foi posterior. Quando você estava pra encerrar a carreira, havia um lateral-direito muito bom, que era o Leandro. Perguntarei também do último grande jogador da sua posição, pois na lateral-esquerda surgiram muitos grandes valores, sendo que na sua posição de lateral-direito foram poucos, citando o Jorginho e o Cafu. O que dizer de Leandro, Jorginho e Cafu?
ZÉ MARIA: Tive a oportunidade de conhecer o Leandro quando praticamente estava parando e ele jogava o futebol moderno, um jogador que se adaptou bem a este sistema de ala, que se criou essa função com o sumiço dos pontas, que vinha antes com o próprio Cláudio Coutinho, adotando o overlap que ele inventou, uma criação para que o lateral passasse e pudesse ter o poder ofensivo. O Cafu foi o grande lateral-direito das duas últimas décadas, levantou a taça da Copa, um jogador que também tinha facilidade em chegar ao gol adversário, marcando muito, acho que nesses últimos anos é o que mais de destacou e marca ainda hoje, pois não veio substituto à altura dele.

FTT: E o Corinthians, Zé Maria? Coincidentemente agora são mais de 20 horas, dia 31 de agosto de 2011, hoje terminou o centenário do clube e amanhã já serão 101 anos. O que representa o Corinthians nesses 100 anos de história?
ZÉ MARIA: Essa nação corintiana não tem o que dizer da força que tem lá. Eu fico muito feliz vendo a situação do Corinthians, o clube se abriu, o Ronaldo tem esse peso muito grande nessa virada, trazendo a modernização. O presidente Andrés Sanches foi uma dádiva, implantando boas idéias, sendo que na minha época de jogador também havia, mas o Matheus era muito fechado para abrir a porta aos grandes corintianos ajudarem. Hoje é totalmente diferente, é um dos maiores clubes do Brasil, por sua estrutura e organização, pela forma como ele mostra a sua existência, o clube cresceu depois deste processo do centenário e sem dúvida atualmente não perde pra nenhum destes grandes clubes da Europa. Oxalá agora podemos ter o nosso estádio, o que será a concretização dessa história que com certeza virão muitos títulos.

FTT: História essa que você tem muita importância, sendo sempre eleito o lateral-direito do Corinthians de todos os tempos, mesmo tendo antes outro grande jogador, que foi o Idário, nos anos 50, mas você é o quarto jogador que mais jogou pelo clube, atrás apenas de Wladimir, Luizinho e do goleiro Ronaldo. No almanaque do Celso Unzelte (segunda edição) constam 599 partidas, mas farei bonito, arredondando pra 600 jogos vestindo a camisa do Corinthians. Parabenizo-o por sua história neste clube, obrigado pela entrevista e, mais uma vez, parabéns!
ZÉ MARIA: Muito obrigado. Pra mim foi uma honra, será eternamente gratificante poder ter dado uma contribuição para esse clube crescer tanto como está hoje, além de outros jogadores que não são muito lembrados, sendo que todos participaram dessa história. Eu fico feliz em poder ter deixado a minha marquinha e essa lembrança que você faz me gratifica bastante. É gostoso ser corintiano e se Deus quiser continuarei sendo, ganhando ou perdendo, sempre corintiano.

REPORTAGEM: Maurício Sabará Markiewicz.
FOTOS: Estela Mendes Ribeiro.